A responsabilidade social do empregador e o assédio no ambiente de trabalho
PRÁTICA TRABALHISTA
Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes
De acordo com os dados estatísticos do Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2021 os casos de assédio sexual e moral voltaram a crescer no Brasil [1]. Enquanto ao longo dos anos de 2019 e 2020 foram registrados 12.349 processos de assédio sexual e 12.529 de assédio moral, em 2021 foram computados 3.049 e 52.936 casos, respectivamente [2].
Aliás, apenas em 2020, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu quase 50 mil denúncias de assédio moral em todo o país, sendo de conhecimento notório que esse número é, na prática, muito maior, já que a maioria das vítimas ainda deixa de denunciar o ato formalmente [3].
Recentemente, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou um relatório com as conclusões da pesquisa sobre assédio e discriminação no Judiciário [4]. A pesquisa foi realizada pelo Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder Judiciário. Segundo tal estudo, o assédio moral se revelou como o mais contumaz entre os profissionais que ocupam o Poder Judiciário, sendo que, em boa parte dos casos, o agressor era superior hierárquico da vítima [5].
Entrementes, impende destacar que o assédio moral pode acontecer também entre os próprios pares, ou seja, entre aqueles que ocupam uma relação de igualdade de posição hierárquica.
Noutro giro, um levantamento feito pela empresa Mindsight mostrou que as mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual do que os homens no ambiente de trabalho, sem que, contudo, haja efetiva denúncia pelas vítimas, certamente por medo de represália ou demissão [6].
De mais a mais, as mulheres também são as principais afetadas em relação ao assédio moral que, segundo as estatísticas [7], é a modalidade mais frequente no ambiente laboral.
Do ponto de vista normativo no Brasil, a Lei 14.188/21 criou o tipo penal de violência psicológica contra a mulher, com pena de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa [8].
Por outro ângulo, se vista a questão sob a ótica do direito comparado, o Código do Trabalho de Portugal acaba por definir, em seu artigo 29, os conceitos de assédios moral e sexual, proibindo tal conduta [9].
Na perspectiva internacional, a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [10], sobre violência e assédio, ainda não foi ratificada pelo Brasil. Acontece que essa Convenção se equipara a um tratado internacional, em vigor desde 25 de junho de 2021, e que traz o conceito mundial de violência e assédio no universo do trabalho [11]. Por tal razão algumas instituições já se mobilizaram com o objetivo de apoiar a ratificação e concretização da referida norma [12].
De outro norte, é forçoso lembrar que, uma vez identificado o assédio, devem ser adotadas as medidas efetivas que coíbam essa prática lesiva e, por conseguinte, que haja punição aos agressores. Logo, é imprescindível que os empregadores zelem por um meio ambiente de trabalho saudável, adotando medidas preventivas para o combate eficaz contra qualquer tipo de assédio.
E a respeito de tal temática, oportunos são os ensinamentos de Marie-France Hirigoyen [13]:
“Prevenir é, portanto, reintroduzir o diálogo e uma comunicação verdadeira. Nesse sentido, o médico do trabalho tem um papel primordial. Ele pode, junto com as instâncias dirigentes, tomar a iniciativa de uma reflexão em comum a fim de buscarem soluções.(…). A prevenção passa também pela educação dos responsáveis, ensinando-os a levar em conta a pessoa humana, tanto quanto a produtividade. Em curso de formação específica, a serem dados por psicólogos ou psiquiatras formados em vitimologia, poder-se-ia ensiná-los a ‘metacomunicar’, isto é, a comunicar sobre a comunicação, a fim de eles saibam intervir antes que o processo se instale, fazendo dar nome ao que no outro irrita o agressor, fazendo-o ‘ouvir’ o ressentimento da vítima”.
Nesse panorama, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) lançou uma cartilha e vídeos de prevenção ao assédio moral [14], objetivando, em síntese, ilustrar situações o dia a dia que podem acarretar esta conduta.
Frise-se, por oportuno, que em muitas situações tanto o trabalhador quanto o empregador podem praticar condutas de assédio de forma inconsciente, chegando inclusive a considerar que certos comportamentos estão dentro da normalidade em algumas corporações.
Dessarte, a mudança de cultura e de mentalidade são peças fundamentais no combate a tais práticas nocivas, seja para uma melhor compreensão dos comportamentos que podem desencadear o assédio, seja para prevenir e orientar o modo de proceder da vítima ao identificar os atos.
Em arremate, ao incorporar este novo comportamento, a companhia além de tornar o ambiente de trabalho mais saudável e próspero, ainda pode gerar uma economia financeira, afinal, como se sabe, uma vez constatado o assédio, poderá existir a condenação da empresa ao pagamento de uma indenização por danos morais.
[1] Disponível em https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/em-2021-justica-do-trabalho-registrou-mais-de-52-mil-casos-de-assedio-moral-no-brasil. Acesso em 21/6/2022.
[2] Disponível em https://www.oliberal.com/economia/assedio-sexual-e-moral-cresce-no-brasil-empresas-devem-combater-1.498450. Acesso em 21/6/2022
[3] Disponível em https://www.olharjuridico.com.br/noticias/exibir.asp?id=47151¬icia=nove-em-cada-10-vitimas-de-assedio-moral-no-trabalho-nao-denunciam-entenda-como-agir&edicao=1. Acesso em 21/6/2022
[4] Disponível em https://www.trt6.jus.br/portal/noticias/2022/05/13/cnj-publica-resultado-de-pesquisa-sobre-assedio-e-discriminacao-no-judiciario. Acesso em 21/6/2022.
[5] Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/pesquisa-assedio-e-discriminacao-1.pdf. Acesso em 21/6/2022.
[6] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mulheres-sofrem-tres-vezes-mais-assedio-sexual-nas-empresas-do-que-os-homens/. Acesso em 21/6/2022.
[7] https://bancariosal.org.br/noticia/28812/maioria-ainda-nao-denuncia-assedio-moral-no-trabalho-revela-pesquisa. Disponível em 21/6/2022.
[8] Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
[9] Artigo 29º. 1 – É proibida a prática de assédio. 2 – Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 3 – Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior. 4 – A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior. 5 – A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei. 6 – O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.
[10] Disponível em https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C190. Acesso 21/6/2022.
[11] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_806107/lang–pt/index.htm. Acesso em 21/6/2022.
[12] Disponível em https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/31998-violencia-e-assedio-no-mundo-do-trabalho-ato-publico-pede-ratificacao-da-convencao-n-190-da-oit. Acesso em 21/6/2022.
[13] Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. — 13ª ed. — Rio de Janeiro; Betrand Brasil, 2011. Página 200-201
[14] Disponível em https://www.tst.jus.br/assedio-moral. Aceso em 21/6/2022.
Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo “O Trabalho Além do Direito do Trabalho”, da USP.
Revista Consultor Jurídico
Fonte:sintracimento.org.br