Reunião ministerial revela governo de toscos
Vídeo registrou reunião do ministério de Bolsonaro – Foto: Reprodução
O que falta dizer sobre a reunião ministerial do presidente Bolsonaro? Deplorável, antirrepublicana, antidemocrática, obscurantista, ridícula (com seu festival de bajulação e emulação de Bolsonaro por seus ministros). Diante de uma das maiores crises que o mundo já experimentou, o presidente não comenta ou faz perguntas sobre questões econômicas ou sanitárias. Não é apenas que ele evite pronunciar um julgamento sobre assuntos que não conhece. Ele parece não estar interessado em aprender ou se informar com seus ministros sobre os temas. A principal ou única preocupação do presidente é com o acesso a informações para que possa proteger sua família e amigos.
São todos horrivelmente ‘bolsonaristas’. A reunião oferece o governo Bolsonaro desnudado. Suspeitávamos que fosse isso mesmo – e é. Está filmado, divulgado para quem quiser ver. Nenhum país resistiria a ser governado por essa turma, o Brasil não é exceção.
É tudo tão tosco, tudo tão aquém do país que governam e da crise que enfrentam. Essa reunião é acima de tudo tosca.
Weintraub, Damares e Ernesto Araújo desempenharam seus papéis de lunáticos de plantão como era de se esperar; do mesmo modo, Ricardo Salles dá conselhos sobre como não acabar em “cana”.
Mais interessante foi examinar a dinâmica entre os membros da equipe econômica do governo.
Rogério Marinho quase suplica por alguma dose de bom senso, um pouco de sensibilidade para a realidade e denuncia o dogmatismo de Paulo Guedes. Marinho confronta a realidade da ação de governos do mundo inteiro em resposta à crise criada pelo novo coronavírus com a insistência de Guedes de que a saída está em investimentos privados, turismo e reformas.
Marinho foi o piloto da reforma da Previdência, muito celebrada pelo governo como uma grande (e única) conquista. O início da sua intervenção revela o grau de paranoia que parece estar rolando: “Vou partir do princípio que todos que estão aqui são bem-intencionados e querem o bem do Brasil… Não acredito em teoria da conspiração nem que ninguém quer solapar os alicerces da República, nem abalar a administração do presidente Bolsonaro”.
Apontar Guedes como dogmático era para ser considerada uma acusação pesada, e mostra efetivamente a existência de tensões importantes trazidas pela crise na equipe, mas, a essa altura, é também sinal de afinidade ideológica. Dogmático é eufemismo como descrição de Guedes. O ministro da economia revela-se mais como um guru obscurantista do presidente, estando suas diferenças com o outro guru, o da Virgínia (EUA), localizadas essencialmente nas áreas em que reivindicam expertise.
Mais reveladora que a postura de Marinho, contudo, foi a ausência de qualquer apoio dos membros da equipe econômica.
O presidente do Banco Central adicionou argumentos para apoiar Guedes, o da Caixa Econômica revelou que poderia fazer companhia ao trio lunático já citado, o do Banco do Brasil só se manifestou para concordar com a privatização do banco que comanda (um sonho dele, segundo Paulo Guedes). Tarcísio, da infraestrutura, normalmente apontado como uma exceção positiva de competência, mostra sua verdadeira estatura com a bajulatória evocação da comparação de Bolsonaro com Churchill e Roosevelt.
Junte-se à desmoralização completa da união de ultraliberais dogmáticos (Como apontamos diversas vezes a respeito do ministro Paulo Guedes, ele é um dogmático). Foi o termo usado por Rogério Marinho para se referir ao ministro. Note-se que o próprio Marinho é um devoto da visão liberal. Pai da reforma da Previdência realmente aprovada, Marinho também esteve por trás da proposta de acabar com repasses do FAT para o BNDES na PEC da Previdência. Mas Marinho se mostra sensível à realidade. Faz um apelo ao bom senso, confrontando o ministro, o “guru”, tão bizarro quanto o obscurantista que comanda o presidente da República da Virgínia.
O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, dedicou sua fala a três coisas: 1) mostrar sua total submissão aos desígnios de Paulo Guedes; 2) apoiar integralmente a escandalosa e repudiada fala de Ricardo Salles; e 3) fazer marketing da sua administração para o presidente Bolsonaro.
Submissão cega a Guedes
É importante notar o contexto. Entre a fala de Salles e a de Montezano, houve as intervenções de Rogério Marinho e Sérgio Moro. Montezano podia ter somado sua voz a de Marinho, apontando a importância de uma reação não dogmática à crise. Poderia se referir a ações que tem visto em outros bancos de desenvolvimento, às quais está certamente a par – mas, não, preferiu apenas endossar completamente Paulo Guedes:
“O próprio ministro Guedes, nas discussões que temos tido… nas últimas semanas, tem nos orientado ‘BNDES foca na reconstrução, foca no dia seguinte’. Porque a crise de saúde vai demorar alguns meses e a reconstrução muito mais meses do que isso. Então é muito… oportuno a gente já começar a discutir isso”.
Fica então provado o que temos escrito e falado sobre a administração de Montezano, contra suas declarações oficiais em lives: o BNDES não está sendo acionado como poderia para enfrentar a crise! Há um mandato do governo federal para deixar o Banco imobilizado, com a promessa de que no futuro, na reconstrução, haverá um maior papel para o Banco. Mas a verdade do discurso de Guedes não dá espaço nenhum para o BNDES. Não há qualquer referência a qual será essa atuação do BNDES na reconstrução. Os exemplos que cita dos seus estudos sobre reconstruções econômicas, sobre as quais arrota expertise, não incluem qualquer referência a Banco de Desenvolvimento.
O ministro é muito claro sobre o esforço de recuperação que imagina. Ele diz: “não podemos nos iludir. A retomada do crescimento vem pelos investimentos privados, pelo turismo, pela abertura da economia, pelas reformas. Nós já estávamos crescendo”. E continua: “o Estado quebrou etc. etc. Qual o espaço para os bancos públicos nessa recuperação?”.
Como todo bom submisso, Montezano é tratado com desdém. Guedes não confirma o que ele afirma. De fato, quando Guedes o menciona – “Montamos um comitê de bancos, estamos lá com o Montezano agora fazendo justamente a reestruturação. Não vai ter molezinha pra empresa aérea, pra nada disso” – se refere, na verdade, não a Montezano, mas a seu sócio e amigo, Marcelo Serfaty, que colocou no Conselho de Administração do BNDES – o pai da ideia do tal ‘comitê de bancos’. Coerente com a filosofia do velho de Chicago, para empresas aéreas não haverá ‘molezinha’; ‘molezinha’ só para os bancos privados que moram no coração do ministro.
Apoio integral a Salles
A mais execrada declaração da reunião ministerial foi a de Ricardo Salles (excluindo desta competição as declarações do presidente da República, é claro). Alguns poderiam dizer que foi um ‘papo de bandido’: aproveitar que o foco de atenção da opinião pública está voltado para o combate à pandemia do novo coronavírus para tocar a agenda de desregulamentação geral, particularmente a ambiental, driblando assim a Justiça e o Congresso. O único cuidado, segundo o ministro, é ter parecer, “porque dar uma canetada sem parecer é cana”.
É ler e ouvir para crer:
“Acho que o que eu vou dizer aqui sobre o meio ambiente se aplica a diversas outras matérias. Nós temos a possibilidade nesse momento que a atenção da imprensa tá voltada exclusiva… quase que exclusivamente pro COVID… A oportunidade que nós temos, que a imprensa… tá nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação” (grifos nossos).
“Grande parte dessa matéria ela se dá em portarias e norma dos ministérios que aqui estão, inclusive, o de Meio Ambiente. E que são muito difíceis, e nesse aspecto eu acho que o Meio Ambiente é o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de… instrução normativa e portaria, porque tudo que agente faz é pau no Judiciário, no dia seguinte”.
“Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas” (grifos nossos).
“E deixar a AGU de stand by pra cada pau que tiver, porque vai ter…”.
“Não precisamos de Congresso. Porque coisa que precisa de Congresso também, nesse, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir… aprovar”.
“Agora, tem um monte de coisa que é só parecer, caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana”.
“essa semana mesmo nós assinamos uma medida a pedido do Ministério da Agricultura, que foi a simplificação da lei da Mata Atlântica, pra usar o Código Florestal. Hoje já tá nos jornais dizendo que vão A ascensão de Salles na vida pública brasileira merece um livro ou um filme.
Repúdio nacional e internacional. Mas o presidente do BNDES adorou a fala do ministro Salles. E qual foi o seu comentário? Resolveu louvar exatamente a intervenção do antiministro do Meio Ambiente!
“Eu subscrevo as palavras do ministro Salles. É o que a gente tem observado nos projetos e concessões etc… uma parte crítica é essa legislação, ou funcionamento da máquina pública. É um momento muito oportuno pra gente aproveitar isso, e isso faz uma baita diferença no preço de um projeto, na velocidade, faz muita diferença. Então eu subscrevo aqui as palavras do… ministro Salles” (grifos nossos).
Marketing com base em fake news da sua administração para Bolsonaro
“Quando eu assumi o banco em julho, o banco tava montado como uma fábrica de empréstimo, e o banco durante quinze anos foi uma fábrica… de empréstimo. De julho até hoje a gente fez uma reestruturação completa no banco, é… montando o que eu acho que… acredito hoje, ser já, o maior banco de investimento do Brasil em pessoas, e um banco de investimento de serviços focado em planejamentos econômico-setoriais e estruturação de projetos, tá? O banco já tá atuando dessa forma. Temos um vasto conhecimento setorial, um vasto conhecimento de planejamento. Já está rodando a contento, e esse BNDES de hoje se parece muito mais com um BNDES de vinte anos atrás. Que era o BNDES que planejava e estruturava esses projetos pro Brasil”.
Quem consegue comprar isso?
Não precisa saber nada sobre o BNDES para suspeitar que em um ano nenhum presidente do Banco, muito menos o atual, seria capaz de criar na instituição “um vasto conhecimento setorial, um vasto conhecimento de planejamento”. O BNDES ainda é detentor desse conhecimento por conta de décadas de dedicação às tarefas de acompanhamento setorial e planejamento – e apesar do caos gerado pela prática de reestruturações permanentes nos últimos cinco anos. Todas elas tocadas sem uma visão clara do que se pretende do BNDES. A última reestruturação, tocada por Montezano, acabou com a Área de Comércio Exterior e ampliou o número de diretorias do Banco para o número histórico e inédito de 10! Eram seis no final do governo Temer. Como o governo Bolsonaro acabou com a prática de incluir empregados de carreira na diretoria, passamos de quatro para 10 diretores externos. Cada um deles acompanhado de um séquito de assessores.
Do que pode estar falando quando diz que agora o BNDES é “um banco de investimento de serviços focado em planejamentos econômico-setoriais, e estruturação de projetos” e não mais “uma fábrica de empréstimos”? Simples: quer justificar porque os desembolsos do Banco continuam caindo e continuar vendendo o discurso vazio, de banco de serviços, em relação ao qual o próprio Montezano avança e recua conforme a maré. Ninguém, na verdade, sabe do que ele está falando.
E assim o Brasil segue governado diante da maior crise dos últimos 100 anos (julgamento proferido por um dos ministros do atual governo).
Fonte: O Vínculo Online
Fonte:sintracimento.org.br