Breves notas sobre a ‘cepecização’ do processo do Trabalho em época de Covid
OPINIÃO
O Ato 11 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, de 23 de abril de 2020, em seu artigo 6º, reza que "preservada a possibilidade de as partes requererem, a qualquer tempo, em conjunto (artigo 190 do CPC), a realização de audiência conciliatória , fica facultado aos juízes de primeiro grau a utilização do rito processual estabelecido ao artigo 335 do CPC quanto à apresentação de defesa, inclusive sob pena de revelia". Este trabalho se propõe a examinar a arguição de incompetência relativa e a incidência do artigo 467, consolidado, à luz do dispositivo retro transcrito.
Inicialmente, mister salientar que, na esfera trabalhista, a exceção ao juízo, sob a ótica territorial, está ditada ao artigo 800 da Consolidação, in verbis: "Apresentada a exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias, a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo".
Não obstante a literalidade da norma, a jurisprudência posicionou-se no sentido de que a preclusividade daquele prazo estava adstrita, tão somente, à desnecessidade de deslocamento do réu para o juízo onde tramita a ação. Em síntese apertada, se a parte ré desejasse alcançar a suspensão do processo e afastar a realização da audiência, deveria excepcionar o juízo no peremptório prazo de cinco dias; se não o fizesse, nada obstaria que excepcionasse o órgão jurisdicional em audiência, à qual teria que comparecer, na forma do artigo 847 da Consolidação, verbis: "Não havendo acordo o reclamado terá vinte minutos para aduzir a sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes" (óbvio que se deve escusar a imperfeição técnica do legislador ao aludir a defesa, quando, em verdade, o dispositivo em questão cuida da "resposta do réu", aí compreendidas exceção, contestação e reconvenção).
Ocorre que, na forma do permissivo citado ao introito deste trabalho, e considerada a realidade vivenciada, a audiência dita inicial não mais ocorre, sendo a parte ré notificada para apresentação da sua "defesa" no prazo de 15 dias. A alteração, aparentemente singela, do procedimento traz uma celeuma de pujança avassaladora: qual o prazo para que o réu argua a incompetência em razão do lugar? Incidirá o artigo 800 da norma consolidada ou o artigo 335 do diploma adjetivo comum?
Ao réu, obviamente, por uma questão de prudência, enquanto não pacificada a questão nas cortes pátrias, recomenda-se a observância do prazo de cinco dias, a contar da notificação inicial, de forma a evitar possível declaração de preclusão. Neste estudo acadêmico, entretanto, releva analisar as correntes de pensamento que se apresentam em face do questionamento feito.
Nesse contexto, imperioso registrar que vozes abalizadas, ainda no período anterior à suspensão das atividades presenciais, sustentavam que a incidência do artigo 800 da lei trabalhista era inafastável, não havendo razão a justificar a aplicação da norma posta ao seu artigo 847, que, em última análise, estaria a se referir a contestação. Logicamente, para os que sustentavam esse argumento, desenganadamente, e por maior razão, não haveria justificativa para se buscar socorro ao artigo 337, II, do Código de Processo Civil, ao listar a arguição de incompetência (relativa ou absoluta) como hipótese de matéria a ser posta, na contestação, em sede de preliminar de mérito. Numa palavra, para quem já enxergava no multicitado artigo 800 prazo único e fatal para excepcionar o juízo, a novidade trazida ao bojo do artigo 6º do Ato 11 da Corregedoria-Geral não engendra qualquer alteração do pensar.
Mas, como adredemente informado, boa parte da magistratura posicionou-se em direção diversa, i.e., se a parte ré não opusesse a exceção no prazo de cinco dias, de forma a evitar de ter de se deslocar para o juízo excepcionado, nada impediria que o fizesse, presencialmente, em audiência, consoante o artigo 847 já citado. E é exatamente para os que advogam esta tese que surge a dúvida: como a sessão judicial estabelecida nesse artigo não mais ocorre, o prazo para arguir a incompetência territorial será de cinco dias (artigo 800/CLT) ou de 15 dias (artigo 335/CPC)?
A resposta dependerá da análise hermenêutica a ser procedida por quem for enfrentar o dilema.
Não nos parece desarrazoado pensar que, afastada a audiência dita inaugural, e possuindo a norma consolidada regra expressa e absoluta sobre o tema, o prazo para o réu excepcionar o juízo será de cinco dias. Nesse sentido, a par de não haver incongruências principiológicas, no particular, entre a norma celetista e a norma adjetiva comum, registrar-se-ia que, não se vislumbrando sequer resquício de omissão ou incompletude na Consolidação, não haveria justificativa para a incidência do quanto lançado ao artigo 15 da norma processual civil. Ad argumentandum, registre-se não haver qualquer contradição no fato de um juiz que aceitava a exceção em audiência no período pré-pandemia sustentar a aplicação do artigo 800 da CLT no momento atual: naquele primeiro lapso, o pensamento jurídico se sustentava ao artigo 847 do mesmo diploma, e, ao contrário do que se imagina, os referidos dispositivos não revelavam antagonismo, mas complementariedade.
De outro modo, também não se revela absurdo imaginar que a resposta àquela questão derive da mens legis daqueles textos: dessarte, partindo-se da premissa de que o espírito do artigo 847 repousa na ideia de que a arguição de incompetência poderia ocorrer até o momento da apresentação da contestação, conclui-se que, no tempo hodierno, essa arguição poderá ser feita nos 15 dias fixados ao ato da Corregedoria-Geral. Assim pensando, harmonizados estariam os dispositivos consolidado e processual civil, nada vedando o pensamento de que, apesar de o ato do corregedor-geral somente aludir ao artigo 335 do CPC, a observância da matéria preambular posta ao artigo 337 se revela consectário natural e, pois, plenamente pertinente.
Isso posto, ousamos opinar, em homenagem à segurança jurídica que deve agasalhar a todos os sujeitos da causa, que o juiz, ao notificar o reclamado para apresentar a sua "defesa" em 15 dias, deva, de forma expressa, quanto à incompetência territorial, informar se entende pela observância do artigo 800 da Consolidação ou do artigo 337, II, do Código de Processo Civil: desta forma, estará o julgador a consagrar estabilidade às relações processuais.
Findas essas rápidas linhas sobre o primeiro tema proposto, nos debruçaremos sobre o derradeiro assunto, o artigo 467, consolidado: "Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas do 50%".
A controvérsia, neste caso, advém da expressão "à data do comparecimento à Justiça do Trabalho", justamente em razão da supressão da chamada audiência inaugural: seria, então, a "data de comparecimento à Justiça do Trabalho" a audiência de instrução, já que, em momento anterior, não haveria comparecimento do reclamado à instituição? Parece-nos, a mais não poder, ser negativa a resposta!
Data venia, apresenta-se, em inafastável clareza solar, o fato de que a dicção legal correspondente ao primeiro momento em que o empregador comparecer à Justiça guarda estrito liame com o momento da apresentação da contestação, ou seja, na audiência à qual o reclamado deverá comparecer para apresentar a sua contestação, deve quitar as verbas incontroversas. Nota-se, pois, smj, óbvia correspondência temporal entre a apresentação da contestação e a satisfação das parcelas incontroversas.
Concluindo, assim, deve o reclamado quitar as parcelas não controvertidas no prazo para apresentação da sua contestação (15 dias), depositando, em favor do juízo, o valor incontroverso, comprovando, no mesmo lapso, o depósito. Mais uma vez, e concluindo esse despretensioso trabalho, e considerando que a pequena "cepecização" do procedimento é matéria nova, seria de bom alvitre se o juiz, ao notificar o reclamado para apresentação da "defesa", também explicitasse a necessidade de, no mesmo prazo, depositar o valor que entender incontroverso.
Seriam essas as rápidas palavras sobre esses dois aspectos eminentemente práticos do procedimento que passamos a adotar na Justiça do Trabalho neste excepcional momento de trabalho não presencial. Esperamos ter contribuído para o debate.
Adriano Bezerra Costa é juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador e professor de Direito Processual do Trabalho.
Revista Consultor Jurídico
Fonte:sintracimento.org.br