Informalidade expõe a falta de perspectiva e o avanço da precarização
A sutil queda na taxa de desemprego no segundo trimestre do ano, encerrado em julho (12,8%), está longe de ser um dado positivo na severa crise econômica do país. O fato de a redução do percentual ter sido impulsionada pela elevação da taxa de informalidade confirma muito mais a precarização e a falta de perspectivas no trabalho formal do que uma luz no fim do túnel.
São mais de 468 mil pessoas entre os empregados sem carteira assinada (crescimento de 4,6% em relação ao trimestre anterior, e 5,6% frente ao mesmo trimestre de 2016), e mais de 351 mil pessoas entre os trabalhadores por conta própria (crescimento de 1,6% na comparação trimestral, e estável na comparação anual).
Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Mensal, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última quinta-feira (31), que indica que o país ainda tem 13,3 milhões de desempregados. Pela estatística, calcula-se que neste período cerca de 720 mil pessoas saíram da fila do desemprego, embora isso não signifique que o emprego formal tenha aumentado. Em relação ao mesmo trimestre de 2016, por exemplo, o desemprego cresceu 12,5% (mais 1,5 milhão de pessoas). Já o número de empregados com carteira assinada caiu 2,9%, chegando a 33,3 milhões de pessoas.
A pesquisa mostrou, também, que a massa de rendimento recebida por toda a população ocupada subiu 1,3%, passando de R$ 183,6 bilhões para R$ 186,1 bilhões. O mesmo comportamento não foi verificado no rendimento médio real, estimado em R$ 2,106 mil neste trimestre, valor estável frente ao trimestre de abril (R$ 2.111), e também ao mesmo trimestre do ano anterior (R$ 2.045).
“Quando alguém perde o emprego, tende a procurar por um tempo. Ao não conseguir achar, acaba optando por um bico, porque ele precisa sobreviver, ele não pode ficar na estatística do desemprego por um ano”, disse o economista José Luís Fevereiro. “A forma como se mede o desemprego com base em quantas pessoas estão procurando emprego não significa que haja uma melhora. Significa que há um percentual de pessoas que desistiu e está na rua, no trabalho informal”, completou.
Para o economista, a forma correta é medir através da formalidade, quantas pessoas têm carteira assinada, e isso, segundo os dados do IBGE, não melhorou. “Quando a pessoa entra na informalidade, ela deixa de aparecer nas estatísticas, mas oficialmente está desempregada”, disse.
O dado positivo com relação à população ocupada, à primeira vista, pode passar a impressão de que a economia voltou a melhorar, mas deixa de lado outro fator importante para analisar a tendência desse mercado: a precarização do trabalho e a desistência por busca de trabalho com carteira assinada.
O que ajudou a segurar a taxa foi a informalidade, alternativa de renda frequentemente adotada por aqueles que não encontram emprego. Em cenários de crise, o trabalho formal é o primeiro a retrair. E na informalidade, não só a qualidade do emprego cai, já que não há direitos como os garantidos pela CLT, como a insegurança aumenta.
“Toda crise tem um fim, o nosso problema não é discutir se a recessão vai continuar, porque não vai, provavelmente nós chegamos ao fundo do poço. E sim discutir com que velocidade a economia vai melhorar, e isso vai ser medido pela expansão do consumo”, disse José Luís, completando: “O cenário hoje é pouco favorável, porque todas as medidas do governo, com exceção do FGTS, trabalharam no sentido de reduzir o consumo, e não aumentar”.
Só o estado do Rio, que vem enfrentando a pior crise da sua história, apresenta um dado ainda mais alarmante, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho: são mais de 9 mil postos de trabalho fechados no mês de julho, com relação ao anterior; mais de 74 mil com relação ao ano anterior, e mais de 200 mil com relação ao período de 12 meses anterior.
O drama do desemprego ganhou mais um capítulo na manhã da última quarta-feira (30). Uma fila quilométrica em frente ao Shopping Jardim Guadalupe, na Zona Norte do Rio, que era formada por pessoas em busca de oportunidade de trabalho, acabou em confusão.
O tumulto chegou a adiar a abertura do estabelecimento comercial ao público, que começava às 10h. A feira distribuiu 200 senhas para os primeiros candidatos que começaram a chegar na tarde da última terça-feira (29). A confusão aconteceu quando os seguranças chamaram as 200 pessoas para o estabelecimento no início da manhã. Candidatos quebraram a grade de proteção e chegaram a parar o trânsito na Avenida Brasil.
Esse desespero, entretanto, não se concentra apenas na Zona Norte do Rio. Pelo Centro, muito se comenta sobre o aumento no número de camelôs espalhados pelas ruas e avenidas.
Celi Conceição, 20, está desempregada desde fevereiro deste ano. Ela trabalhava como operadora de caixa, e há cinco dias trabalha em uma barraca de doces, na Avenida Presidente Vargas.
“Estou procurando emprego, não paro de mandar currículo, mas enquanto não acho nada, preciso me virar com o que dá”, disse.
Na mesma rua, em uma barraca de eletrônicos, Maria das Graças, 45, também vive o desemprego há um ano. Ela conta que trabalhou como copeira na Olimpíada, mas depois disso, nunca mais encontrou vaga.
“Já mandei mais de 200 currículos, sem dúvida. E estou topando qualquer coisa que me dê carteira assinada. É muito melhor por causa da segurança e pela garantia”, contou.
A insegurança é um dos problemas mais apontados por esses comerciantes informais que, a qualquer momento, podem perder a sua mercadoria, e ter que recomeçar do zero. Tirando o prejuízo, eles vivem sem saber se terão condições suficientes de pagar as contas no fim do mês.
Esse é o caso de Darlan Paulinho Gomes, 33, há três meses trabalhando na Avenida Rio Branco, vendendo brinquedo infantil.
“Eu espero que isso aqui seja temporário, porque tenho três filhos para sustentar, e não dá para viver de dia bom e dia ruim. Porque é assim quando você não tem a carteira assinada: zero garantia”, contou.
Na mesma avenida, Nestor Ferreira, 40, está há dois meses em uma barraca de películas para celular.
“Eu tenho um filho para sustentar, não posso ficar parado. E tenho uma noiva. Só não casei e me mudei com ela ainda porque estou à espera de um emprego para poder ficar mais tranquilo e me sentir mais seguro”, disse Ferreira, acrescentando: “Além do mais, esse inchaço de camelô na rua atrapalha o comerciante que trabalha há anos aqui”.
Esse é o caso de Paulo Roberto, 45, que está há 29 anos na Travessa Liceu, próximo ao Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio, que ficam no Porto Maravilha. Ele conta que há dois anos, a prefeitura do Rio, na época governada por Eduardo Paes (PMDB), transferiu a licença do local para Avenida Francisco Bicalho, sob a alegação de que haveria obra naquela área.
“Até hoje não teve obra nenhuma, e na Bicalho não tem movimento. Nós queremos a nossa licença de volta, porque eles fizeram o Porto, cadastraram a gente para trabalhar, mas alugaram as barracas bonitas para sei lá quem. E nós, que estamos há mais de 20 anos aqui, ficamos sem nada”, disse Paulo, completando: “É lógico que a concorrência aumentou, mas não é isso que me incomoda, todo mundo tem o direito de trabalhar honestamente”.
Na mesma travessa há apenas uma semana, Tainan Felipe, 23, vende película de celular e conta que só saiu da Rua Buenos Aires por causa da concorrência.
“Eu estava lá há dois anos, mas não rendia mais lucro”, explicou Tainan, que parou de procurar emprego vencido pelo cansaço. “Depois de um tempo cansa. Não existe uma perspectiva de conseguir alguma coisa, e esperança vai embora”, concluiu.
Se para o carioca está difícil, dá para imaginar que para o imigrante é ainda pior. Sem conhecer a cidade, ou falar a língua local, e muitas vezes sem visto, cidadania, e com estadia ilegal, o estrangeiro que vem para o Brasil em busca de um horizonte melhor fica, muitas vezes, no desamparo do mercado de trabalho.
Nicolás Antonio, 85, veio de Lima, no Peru há mais de um ano, depois que sua mulher faleceu e ele perdeu tudo que tinha. “Tem muita gente procurando no Brasil uma oportunidade. Sei que sou apenas mais um”, lamentou.