Trabalho Escravo: ‘Fui escravo e ainda continuo escravo’
Desde que foi libertado de uma igreja evangélica de Sorocaba, interior de São Paulo, em condição semelhante à de escravidão, Tiago Conceição Viana, de 30 anos, não conseguiu achar um rumo para sua vida. Perseguido por fiéis da igreja, não conseguiu mais emprego, teve depressão e tentou o suicídio. Por fim, teve de sair da cidade em que nasceu e onde ainda moram seus pais e irmãos. A reportagem o encontrou, ontem, na periferia de Campinas, ajudando um amigo num banca de rua: "Fui escravo e ainda continuo escravo dessa situação. Não tenho mais vida, nem sonhar estou conseguindo mais."
Viana foi resgatado em janeiro deste ano num templo da igreja Ministério Paz e Amor, na zona norte de Sorocaba, onde era submetido a regime de trabalho exaustivo, em troca de cama e comida, segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF). Fiscais da Superintendência Regional do Ministério do Trabalho em São Paulo, com apoio de agentes da Polícia Federal, encontraram o jovem dormindo numa cama improvisada, no chão, ao lado de baratas mortas. Ele trabalhava das 8 da manhã às 17 horas no restaurante mantido pela igreja e, daí às 22h30, em jornada contínua, em outros afazeres.
O pastor Eliseu Rodrigues, responsável pela igreja, foi autuado por submeter pessoa a regime semelhante à escravidão. Além das verbas e indenização trabalhista no valor de R$ 1,7 mil, ele pagou multa de R$ 21 mil e responde a processo na Justiça Federal.
O jovem conta que frequentava uma igreja evangélica próxima de sua casa e, sabendo que ele procurava emprego, o pastor de lá contatou o colega de Sorocaba. "Eu estava desesperado atrás de emprego e ele se aproveitou. Trabalhava desde manhã no restaurante, como ajudante de cozinha, arrumando as mesas, lavando os banheiros, e depois ia fazer as coisas da igreja. Era de cedo, logo depois de acordar, até fechar a igreja, às dez da noite ou mais. Ele nunca me falou em pagar. Eu estava querendo ir embora, pois aquela não era uma situação que eu esperava, mas não tinha dinheiro. Foi aí que chegou a fiscalização."
Viana leu notícias sobre a portaria do Ministério do Trabalho que dificulta a punição a empresas ou pessoas que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão.
"Não tenho nada contra o presidente (Michel Temer), mas gostaria que ele estivesse só um pouco no lugar em que eu estive", disse. Hoje, Viana vai percorrer empresas e lojas de Campinas à procura de trabalho e distribuindo currículos. "Estou atrás de emprego e, se não conseguir, não sei o que vou fazer. Não penso em voltar para Campina (do Monte Alegre). Se não fosse pela minha família, ia me sentir um estranho. Roubaram até o gosto que eu tinha de ficar em minha cidade."
Pastor nega
O pastor Eliseu Rodrigues, da igreja Paz e Amor, nega que tenha cometido o crime e se diz injustiçado. Segundo Rodrigues, o rapaz ficou hospedado na igreja, de início, de forma improvisada. "Foi de forma voluntária. Era hospedado e alimentado aqui. De maneira alguma ele foi coagido a alguma coisa."
Ele reconhece ter pedido de volta ao rapaz os R$ 1,7 mil da indenização que pagou. "Eu não devia nada para ele. Eu tinha o compromisso de pagar o aluguel da igreja e pedi a ele que tivesse o bom senso de devolver o dinheiro para a igreja. O Tiago, orientado pelos fiscais, gravou a conversa. Isso foi usado contra mim."
Rodrigues disse que seu advogado entrou com representação na corregedoria do Ministério do Trabalho contra a atuação dos fiscais.
Fonte: Folha de Londrina, 23 de outubro de 2017
Fonte: sintracimento.org.br