Negócios de família, o mito
Bolsonaro começa com um peso morto moral nas costas e deve ser mais tutelado
Nenhum governo brasileiro desce a ladeira até cair no buraco da deposição por causa de escândalos. Cai por causa de uma conjunção de má política com aversão social extensa. Corrupções são pretexto legal de derrubadas. Novidade é pensar como um governo pode subir a ladeira com um cadáver moral nas costas.
O governo de Jair Bolsonaro terá de começar a escalada carregando o corpo estropiado do herói do combate à corrupção, que “mitou” na campanha eleitoral. Não é impossível. Mas, a fim de se equilibrar, o presidente terá de rever os pilares do seu poder. Tende a mudar a relevância de militares, Paulo Guedes, Sergio Moro e do Congresso.
Quem sabe o filho senador explique esses depósitos pingados em sua conta na agência bancária da mui corrupta Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mais importante, talvez se venha a saber que, mesmo inexplicáveis, os dinheiros não tenham contaminado outros Bolsonaro. Enquanto não se souber, o governo vai dar uma fraquejada. Vai ser mais tutelado.
Os militares já demonstravam contrariedade com a intromissão frequente e desordenada dos filhos do capitão em reuniões de ministério, em encontros no Planalto e na diplomacia. Não foi possível apurar o que pensavam do filho senador, amigo do assessor, motorista e “fazedor de rolos” Fabrício Queiroz.
Entre outras tutelas já evidentes, os militares vão pedir ao presidente que sacrifique o convívio familiar público-privado em nome do convívio com o restante do país, ao menos até a poeira baixar.
Quando vai baixar? Além dos problemas de contabilidade privada, Bolsonaro terá de dar logo um destino às contas públicas, fazer reformas etc. Os ventos da economia andando mais rápido talvez possam varrer o odor de falta de santidade.
Para tanto, Bolsonaro dependerá ainda mais do sucesso do ministro Paulo Guedes (Economia), que dependerá mais do Congresso, que de súbito ficou mais independente, dados os rolos de Queiroz e Bolsonaro 01. Grandes predadores e qualquer criatura esperta do Parlamento se animam com presa ferida nas cercanias. Antes, seria sábio fazer política. Agora, será feia necessidade.
O ministro Sergio Moro (Justiça) vinha se desviando das minas explosivas do governo, esses ministros com capivara, com ficha corrida. Agora, uma bomba estoura fora do Planalto, mas bem perto da rampa do palácio. Moro vai fingir que não viu?
Caso não se manifeste, mesmo que de modo prudente e sagaz, vai se apequenar. Por outro lado, não pode implodir o governo, derrubar o avião que levaria sua carreira a alturas supremas. De qualquer modo, a revolução moral de Moro começa meio prejudicada.
Muitos governos começam em desordem, embora Bolsonaro tenha caprichado no disparate, em particular no núcleo “Arquivos X” (Itamaraty, Educação, Direitos Humanos) e com a cegueira causada por revanchismo e outros comportamentos ignaros.
Não dá certo essa gente de má catadura e maus modos agindo como se estivesse em guerra com tantos compatriotas. Isto posto, note-se que o tumulto do cotidiano faz a gente perder a perspectiva ou esquecer da história.
O primeiro ano de Lula 1, 2003, foi de desarranjo no governo e de estagnação econômica, 2004 teve algum tumulto social, 2005 teve mensalão e ainda no início de 2006 havia desânimo com o crescimento do PIB. Para o bem ou para o mal, deu no que deu. Mas o conflituoso e agressivo Fernando Collor acabou apenas mal.
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Folha de S.Paulo
Fonte: sintracimento.org.br