​​​​​​​O exercício de mais de uma função por força do contrato de trabalho
REFLEXÕES TRABALHISTAS
Por Pedro Paulo Teixeira Manus
Como regra geral o contrato de trabalho, quando de sua celebração, dispõe sobre as funções que serão exercidas pelo empregado, assim como o valor do salário, horário de trabalho e demais temas atinentes.
Deste modo, em princípio, a cada contrato de trabalho celebrado equivale a obrigação de que o empregado exerça determinadas atribuições. Estas podem ser específicas em relação a uma determinada função, ou podem consistir no exercício de mais de uma função num mesmo contrato.
Inexistindo especificação formal quanto às funções a serem desempenhadas, afirma o artigo 456, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho que “à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.”
Isso significa que em princípio não é ilícita a exigência do empregador para que o empregado desempenhe mais de uma função, quando de sua admissão.
Em um determinado processo trabalhista, que tramitou no Rio de Janeiro, o empregado pretendeu o recebimento de diferenças de salário, pois embora contratado como motorista de ônibus exercia concomitantemente as atribuições de cobrador, o que deveria acarretar um acréscimo salarial.
Vitorioso no pleito perante a Vara do Trabalho e perante a Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, viu sua pretensão ser indeferida pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.
Assim dispõe a ementa do acórdão da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, neste caso específico, da relatoria da Ministra Dora Maria da Costa:
EMENTA: ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. A jurisprudência deste Tribunal Superior caminha no sentido de que o recebimento de passagens é plenamente compatível com as atividades legalmente contratadas pelo motorista de transporte coletivo, não se justificando a percepção de adicional de acúmulo de funções, por se configurar atribuição compatível com a sua condição pessoal, nos moldes do art. 456, parágrafo único, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-100740-59.2017.5.01.005
Em sua fundamentação afirma a decisão: “…segundo o comando inserto no parágrafo único do artigo 456 da CLT, “à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal”. Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal Superior caminha no sentido de que o recebimento de passagens é plenamente compatível com as atividades legalmente contratadas pelo motorista de transporte coletivo, não se justificando a percepção de adicional de acúmulo de funções, por se configurar atribuição compatível com a sua condição pessoal, nos moldes do referido preceito. A ilustrar, os seguintes precedentes:
“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS – ACÚMULO DE FUNÇÕES – MOTORISTA E COBRADOR – CABIMENTO. Nos termos do art. 456, parágrafo único, da CLT, há permissão legal para o empregador exigir do empregado qualquer atividade compatível com a condição pessoal do empregado, desde que lícita e dentro da mesma jornada de trabalho. Não há justificativa, portanto, para a percepção de acréscimo salarial pelo Reclamante, que exerce, cumulativamente, a função de motorista e cobrador, quando patente que as obrigações em liça estão inseridas no elenco de obrigações decorrentes do contrato de trabalho, conforme consta da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Precedentes do TST. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e provido.” (E-RR-67-15.2012.5.01.0511, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, SDI-1, DEJT 22/4/2016)
RECURSO DE REVISTA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. A jurisprudência deste Tribunal Superior vem se consolidando no sentido de que o recebimento de passagens é plenamente compatível com as atividades legalmente contratadas pelo motorista de transporte coletivo, não se justificando a percepção de adicional de acúmulo de funções, por se configurar atribuição compatível com a sua condição pessoal, nos moldes do art. 456, parágrafo único, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.” (ARR-10831- 12.2015.5.01.0202, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 1/3/2019)
“RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA. COBRADOR. Caso em que o Reclamante, contratado como motorista, também exercia a função de cobrador. Prevê o artigo 456, parágrafo único, da CLT que "a falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.". Esta Corte tem firmado jurisprudência no sentido de que não há falar em acúmulo de funções quando o empregado motorista também exerce a tarefa de cobrador, porquanto plenamente compatíveis. Julgados. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 456, parágrafo único, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR12456-49.2013.5.01.0203, Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, DEJT 19/10/2018).
O acórdão cita outros julgados do Tribunal Superior do Trabalho fazendo ver que se trata de entendimento firmado neste sentido, como aliás decorre de julgamento da Seção de Dissídios Individuais I (E-RR-67-15.2012.5.01.0511, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, SDI-1, DEJT 22/4/2016), acima transcrito, cuja função precípua é a consolidação do entendimento jurisprudencial.
Conclui a Exma. Sra. Ministra Relatora que “nesse contexto, ao deferir um acréscimo remuneratório pelo exercício cumulativo das funções de cobrador e motorista, a decisão recorrida incorreu em violação do parágrafo único do artigo 456 da CLT”, reconhecendo ter sido demonstrada ofensa ao art. 456, parágrafo único, da CLT, culminando pelo provimento do recurso de revista, julgando improcedente o pedido inicial.
Advirta-se, afinal, que seria diversa a conclusão se o reclamante tivesse sido contratado exclusivamente para prestar serviços como motorista e durante o contrato de trabalho tivesse sido obrigado a cumprir também as funções de cobrador.
Neste caso estaríamos diante de uma alteração contratual ilegal, à luz do artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, o que lhe daria direito ao ressarcimento de diferenças por acúmulo de funções. Não é esta a hipótese dos autos, pois desde seu ingresso exercia as duas funções, que são compatíveis, daí porque não faz jus às diferenças salariais postuladas, como decidido.
Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico
Fonte:sintracimento.org.br