Liminar sobre índice de correção de débito trabalhista é controversa
OPINIÃO
Gerou controvérsias a nova decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que esclareceu que as ações trabalhistas podem continuar a tramitar até que o Pleno da corte defina qual índice de correção monetária deve ser aplicado nos débitos trabalhistas. A questão gira em torno da aplicação da TR, mais vantajosa para empresas, ou do IPCA-E.
É preciso examinar a decisão do agravo regimental interposto pela Procuradoria-Geral da República contra a decisão monocrática que deferiu medida cautelar na ADC nº 58/DF. Os esclarecimentos informam que a liminar se esteia no artigo 21 da Lei 9.868/99, "dada a própria essência do instituto" que tem por objetivo "preservar as relações fáticas passíveis de serem afetadas pelo julgamento de mérito da ADC".
O artigo 21, mencionado, autoriza o Supremo Tribunal Federal a deferir cautelar em ADC para determinar "que os juízes e os tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo". De fato, medida cautelar em ADC é diferente da deferida em ADIn. Não pode tirar norma de vigência. Pode apenas determinar a suspensão dos processos cujas decisões dependam da aplicação das normas atacadas. Este efeito restrito à suspensão dos julgamentos é realçado na decisão com lastro em várias decisões da corte.
O princípio da utilidade — no caso, da utilidade da futura decisão da ADC — autoriza a medida. Se as regras aptas a fundamentar as decisões estão sob análise do STF, não faz sentido decidir nada impondo sua aplicação. É como se o STF dissesse: "Parem tudo porque vamos decidir se pode ou não usar esta ou aquela regra jurídica. Não queremos trabalhar inutilmente". Todo ato judicial que frustre, do ponto de vista da utilidade, a decisão do STF não pode ser praticado.
Parece haver flagrantes incompatibilidades com o Direito Processual do Trabalho, podendo-se tomar como exemplo evidente o incentivo e o prestígio crescentes às sentenças líquidas. A sistemática geral da Justiça do Trabalho tende a ser outra e, de fato, no caso, a sugestão dada de desviar as áreas de controvérsia e atuar decidindo apenas no espaço incontroverso pode acarretar problema jurídico sério (possível nulidade).
Os esclarecimentos desconsideram as peculiaridades do processo do trabalho sob o argumento de que a fixação de índice de correção monetária (a matéria controvertida é esta) pode ser apreciada pelo juiz durante todo o curso do processo — conhecimento ou execução. Embora o CPC tenha avançado em e tornado a execução uma fase do processo — inspirado na vetusta prática trabalhista —, naquele âmbito o juízo da execução pode ser até outro, de outro foro. Há, ainda, o fundado no mesmo argumento básico do artigo 21, dizendo o que já se sabia, ou seja, que nem toda condenação implica o esvaziamento de uma futura decisão da ADC.
Afinal, há mesmo casos em que não existe a controvérsia condição das suspensões, outros em que nem se passa pelo tema e aqueles ainda que se encontram em fase posterior ao momento de enfrentar o tema em decisão.
Finalmente, indo direto ao ponto, os esclarecimentos afirmam que o IPCA-E não pode ser imposto como índice de correção monetária, pela via jurisdicional, em nenhum momento do processo. Todos os atos decisórios a respeito estão suspensos.
Alguns interpretam o dispositivo dessa decisão, então, em função dessa afirmação contida nos fundamentos, como se houvesse a autorização para decidir com aplicação da TR. Essa interpretação, entretanto, não se coaduna logicamente com a determinação de suspensão dos processos no tocante aos pedidos que envolvam controvérsia quanto ao índice.
Se o empregado requer IPCA-E e a sentença determina a correção pela TR, há uma clara decisão jurisdicional deslindando a controvérsia em prol da parte que não concorda com o IPCA-E. Há julgamento. E os julgamentos estão suspensos exatamente pela existência desta específica controvérsia.
E se a TR for considerada inconstitucional? O princípio da utilidade terá sido claramente violado. A afirmação de que "o que se obsta é a prática de atos judiciais tendentes a fazer incidir o índice IPCA-E (…) em substituição à aplicação da TR (…)" não pode ser tomado como autorização para aplicar a TR. Do contrário, teria a liminar determinado isso, simplesmente, enquanto durasse a controvérsia.
Também é de difícil interpretação um trecho da decisão que diz que a "parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção" pode ser objeto de decisão e, quanto a ela, o processo pode ter andamento.
A explicação parece preconizar que se faça a conta com os dois índices e, num esforço comparativo, proceda-se a um corte pelo nível de valor que seja suportado pelos dois. O que se pagaria por qualquer dos índices pode ser objeto de decisão. Eventuais diferenças ficariam para futura ação. É o que claramente é sugerido: eventuais diferenças apuráveis após a decisão do STF teriam de ser transformadas em pretensões submetidas "à sistemática trazida pelo CPC, acima descrita". Quer dizer, nasce da liminar um terceiro índice, dependente do período de tempo abrangido nos diferentes processos, que conjuga os dois índices legais em discussão e separa a razão da controvérsia, deixando-a para futura ação. Tudo de ofício.
Diante disso, a orientação do esclarecimento é no sentido de que não se deve julgar processo em que haja controvérsia quanto ao índice, mas, havendo controvérsia quanto ao índice, pode-se julgar, sim, desde que, por qualquer dos índices, o valor deferido esteja coberto.
Cabe a pergunta: do ponto de vista jurídico-processual, entregar-se-á uma decisão citra petita e o princípio da adstrição será violado (artigos 141 e 492 do CPC)? Parece que sim. No processo do trabalho, com suas ações de cumulação objetiva expressiva, com dezenas de pedidos impactados pelos índices de correção, a sugestão não significa pouca coisa. Como a decisão é no sentido de ajustar os limites do pedido (pois há controvérsia no ponto), é preciso fazer as seguintes considerações: 1) ela parece interferir no alcance objetivo dado pelas partes à lide; 2) nega ou posterga a jurisdição em parte do pedido; e 3) ainda que superadas as dificuldades teórico-jurídicas, a divisão implica um acréscimo de trabalho e retrabalho injustificável neste momento de guerra pandêmica e praticamente inviabiliza as sentenças líquidas.
Dessa forma, é preciso reconsiderar a liminar para, de forma direta, determinar, até a decisão final da ADC, a aplicação do índice definido pela última lei aprovada no Congresso (TR). Assim, a vida processual da Justiça do Trabalho retomaria seu curso com segurança jurídica.
Sebastião Tavares Pereira é juiz aposentado do TRT-12, diretor da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho), mestre em Ciência Jurídica e pós-graduado em Direito Processual Civil.
Revista Consultor Jurídico
Fonte:sintracimento.org.br