A constitucionalidade da contribuição de 10% do FGTS nas despedidas imotivadas
OPINIÃO
Por Marcela do Carmo Vilas Boas
A Medida Provisória 905/2019, que criou o programa Verde Amarelo, destinado a incentivar a contratação de jovens, caducou no dia 20 de abril deste ano. Entre outros dispositivos, estabelecia o fim do adicional de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nas despedidas sem justa causa.
Antes da MP 905, a despedida imotivada de um funcionário acarretava à empresa o pagamento de 50% sobre todos os depósitos realizados na conta do empregado. Desse percentual, 40% referem-se a uma espécie de indenização pela dispensa, que é destinada ao ex-empregado e permanece em vigor, sem sofrer qualquer alteração.
O surgimento do plus de 10% se deu com a Lei Complementar nº 110/2001 [1], que trata da instituição de contribuições sociais, autorização de créditos de complementos de atualização monetária em contas vinculadas do FGTS e dá outras providências.
O escopo da criação da referida contribuição social, portanto, foi cobrir despesa específica da União, qual seja, a recomposição determinada pelo Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 226.855) de contas vinculadas ao FGTS pelos expurgos inflacionários dos Planos Verão (1989) e Collor (1990), cujos valores eram destinados a um fundo operado pela Caixa Econômica Federal. Tal acréscimo de 10% do FGTS deveria, portanto, ser extinto em junho de 2012, quando a última parcela dos débitos gerados pelos referidos planos econômicos foi liquidada.
Essa contribuição social, prevista no artigo 1º da LC 110/2001, em nenhum momento alterou a indenização de 40% que os trabalhadores recebem na hipótese de despedida sem justa causa. Assim, com a obrigatoriedade do pagamento adicional de 10%, as empresas pagavam 50% sobre todos os depósitos de FGTS nas despedidas sem justa causa. Desse total, 40% ficavam com o trabalhador, sendo que o acréscimo de 10% não incidia quando a rescisão do contrato se dava por iniciativa do empregado.
Como dito, a MP 905/2019 não foi votada pelo Senado dentro do prazo legal e caducou no dia 20 de abril. Em face disso, a conclusão a que se chegaria é a de que o adicional de 10% voltou a ser obrigatório e os empregadores, quando da despedida injusta de seus empregados, deveriam recolher 50% do FGTS.
Ocorre que, desde 1º de janeiro deste ano, com a sanção da Lei nº 13.932/2019, publicada no Diário Oficial da União em 12 de dezembro de 2019, os empresários ficaram desobrigados do pagamento do adicional de 10% sobre o FGTS nas despedidas sem justa causa. Nesse caso, mesmo com a caducidade da MP 905/2019, os empregadores permaneceram dispensados do pagamento do adicional de 10% sobre o FGTS até o STF declarar a sua constitucionalidade, sob o fundamento de que a cobrança está atrelada à finalidade para a qual foi instituída.
Inicialmente, o próprio STF determinou essa recomposição das contas vinculadas ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) nº 226.855, no ano de 2000. No entanto, ao longo dos anos, várias foram as discussões sobre a possibilidade de a estratégia ter atingido a sua finalidade e também sobre o possível desvirtuamento dos valores para outros fins. Isso levantou outros questionamentos e ações que pediam o fim da obrigatoriedade do pagamento do adicional de 10%.
A extinção da cobrança da contribuição social de 10% quase ocorreu em 2013, quando da sua aprovação pelo Congresso Nacional, mas, em sentido contrário, houve o veto da presidente Dilma Rousseff. Ela entendeu que o adicional não poderia ser extinto, pois era utilizado para financiar programas sociais como o Minha Casa Minha Vida, o que demonstra claro desvirtuamento do produto da arrecadação.
Recente decisão do STF declarou que tal contribuição é constitucional e o seu pagamento, portanto, devido, sendo descabido o ressarcimento aos empregadores.
Ocorre que existem inúmeras ações propostas para a restituição dos valores pagos a esse título, tendo sido essa matéria objeto do Recurso Extraordinário nº 878.313/SC, interposto pela Intelbrás, que postulou o recebimento dos valores com fundamento na cobrança indevida.
Fundamentando-se no entendimento pretérito do próprio STF, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) não acolheu o recurso da Intelbrás, que questionava a constitucionalidade da cobrança do adicional de 10% sobre o saldo do FGTS nas despedidas sem justa causa, sob o fundamento de que "ainda que as contribuições estejam atreladas a uma finalidade, não se afigura possível presumir que esta já tenha sido atingida".
A Intelbrás, por sua vez, insurgiu-se contra tal decisão e interpôs recurso extraordinário ao STF, que reconheceu a Repercussão Geral (Tema 846). No julgamento, em 18 de agosto deste ano, a referida corte declarou, por maioria, a constitucionalidade da cobrança da contribuição social de 10% sobre o FGTS no seguinte sentido:
"É constitucional a contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, tendo em vista a persistência do objeto para a qual foi instituída" (RE 878313).
No voto condutor do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes sustentou que a finalidade da contribuição não deve ser confundida com os motivos determinantes de sua criação. Segundo ele, o motivo da criação foi a preservação do direito social dos trabalhadores referente ao FGTS, sendo essa sua genuína finalidade. Em decorrência dessa destinação principal, foi autorizada a utilização dos recursos para a compensação financeira das perdas das contas do FGTS decorrentes dos expurgos inflacionários. Esta destinação, prevista no artigo 4º da lei, "é apenas acessória e secundária" e, na sua concepção, não exaure integralmente a finalidade a que a contribuição se destina.
Os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Roberto Barroso ficaram vencidos ao votarem pelo parcial provimento do recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade da contribuição social, diante do esgotamento do objetivo delimitado quando da sua instituição.
É importante observar que existem inúmeras ações judiciais em curso questionando a validade da cobrança da contribuição social de 10%. Um dos fundamentos é a Emenda Constitucional nº 33/2001, que limitou as bases de contribuições sociais ao faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro — pois esse aspecto não foi objeto de julgamento pelo STF, o que deve ocorrer quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.050. Esse tema é objeto também das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5.051 e 5.053 e ainda aguardam a inclusão em pauta de julgamento.
As referidas ações têm como fundamento para invalidar a referida cobrança o fato de que o adicional de 10% incide sobre o montante de todos os depósitos devidos durante a vigência do contrato de trabalho, sendo incompatível antes das modificações realizadas pela Emenda Constitucional nº 33/2001. Por tal razão, pode ter questionada a sua natureza de contribuição social.
Desde janeiro de 2020, quando ocorreu a promulgação da Lei 13.932/19, as empresas não têm a obrigação de recolher o adicional de 10%, sendo que a discussão no STF se restringe aos pagamentos ocorridos antes da edição da referida norma, que desobrigou o seu pagamento e acabou gerando expectativa para as empresas reaverem os valores pagos no passado.
Portanto, com o julgamento ocorrido em 18 de agosto no STF, por ocasião do Recurso Extraordinário nº 878.313/SC, conclui-se o seguinte: é admissível a continuidade da cobrança da contribuição, prevista no artigo 1º da LC 110/2001, ainda que o produto da arrecadação seja destinado a fim diverso do estabelecido no artigo 4º da lei, desde que esteja diretamente relacionado aos direitos decorrentes do FGTS.
[1] "Artigo 1º — Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de 10% sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas".
Marcela do Carmo Vilas Boas é advogada e sócia do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico
Fonte:sintracimento.org.br