Teletrabalho e aplicação prática
OPINIÃO
Por Camila Patricia Moreira da Costa Frazão e Laura Aparecida Rodrigues
O objetivo deste trabalho é apresentar um panorama sobre o teletrabalho, realidade que ganhou amplitude com a pandemia decorrente da Covid-19, e identificar os principais aspectos, os impactos na saúde e qualidade de vida do empregado, bem como a aplicação de medidas que possam contribuir para seu aprimoramento.
Não obstante a pandemia tenha tido grande impacto nas relações de trabalho, a tecnologia e a informatização de grande parte das atividades econômicas e laborais também alteraram a organização do trabalho.
Era muito comum que o único local de trabalho fosse somente a sede do empregador; no entanto, grande parte das atividades, com a tecnologia e informatização, podem ser desempenhadas em qualquer lugar.
O regime de teletrabalho foi uma das maneiras encontradas para mitigar os reflexos negativos da crise sanitária instaurada pelo coronavírus.
Teletrabalho
Teletrabalho é a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo, isto é, do trabalho que, em razão de sua natureza, é desempenhado em locais fora da empresa, como é o caso de motoristas, representantes, vendedores etc.
A expressão "home office" é o termo específico ao trabalho empreendido em casa.
A previsão legal para o teletrabalho consta no artigo 6º da CLT, que afasta a distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, executado no domicílio do empregado e realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
A Reforma Trabalhista introduziu um novo capítulo na CLT dedicado especialmente ao tema, o Capítulo II-A, "Do Teletrabalho", com a inserção dos artigos 75-A a 75-E.
Usualmente realizado em casa, o teletrabalho também adapta-se a outros lugares, como cafés e ambientes de co-working. As vantagens são evitar gastos e tempo com deslocamentos e, atualmente, aglomerações, preservando a saúde do empregado, bem como a possibilidade trabalhar em qualquer lugar com maior flexibilidade, estimulando melhor desempenho.
Conforme matéria vinculada pelo TST, de acordo com a SAP Consultores Associados, 77% dos profissionais que desempenham suas atividades na modalidade de teletrabalho afirmam que um dos principais objetivos é melhorar a qualidade de vida, bem como aprimorar a gestão do próprio tempo.
Dentre as inúmeras vantagens do teletrabalho, destacamos:
1) Facilidade de adaptação: Preponderantemente realizado em casa, o teletrabalho também pode ser facilmente realizado em outros locais tais como, como cafés e ambientes de coworking, desde que façam uso de equipamento tecnológico;
2) Economia de tempo com relação a deslocamentos: Em virtude do trabalho realizado majoritariamente na própria residência, não há necessidade de deslocamento para a empresa, logo, é possível economizar tempo pela diminuição de deslocamento e gastos de locomoção;
3) Conforto: Recomendável o local adequado para a realização das atividades laborais, no entanto, poder escolher o ambiente em que vai trabalhar também significa optar por uma acomodação personalizada.
4) Mais oportunidades profissionais: Permite a contratação de profissionais qualificados que residam fora da localidade da empresa, ou seja, para prestar o serviço morando em outro estado ou até em outro país;
5) Produtividade: O aumento na produtividade dos teletrabalhadores é muitas vezes associado à maior concentração propiciada pela eliminação de distrações e do estresse do trânsito, e pela simples flexibilização do horário de trabalho.
São necessários alguns cuidados especiais:
1) Ergonomia: propiciar postos de trabalho com móveis e equipamentos que preservem a saúde, observando as regras de Medicina e Segurança do Trabalho;
2) Interrupções: Com o trabalho sendo prestado em ambiente familiar, poderão haver interrupções por outros moradores, o que muitas vezes dificulta a concentração, motivo pelo qual é imprescindível que os demais moradores compreendam que é necessário um ambiente sem interferência;
3) Socialização: No teletrabalho, o convívio diário com colegas de trabalho deixa de existir. Se o contato presencial for muito esporádico, o trabalho a distância pode trazer a sensação de isolamento e ações interativas devem ser implantadas.
4) Sobrecarga: Estabelecer limites quanto ao horário das atividades laborativas para que não haja acionamentos em horários impróprios, prejudicando o empregado em usufruir o período de descanso.
Temos, ainda, o regime de trabalho híbrido mesclando o trabalho realizado na sede do empregador e o trabalho realizado a distância, fato que não descaracteriza o regime de teletrabalho, desde que, o empregado trabalhe predominantemente a distância.
3. Principais aspectos do teletrabalho
3.1. Acordo mútuo
Para a implantação do teletrabalho é de suma importância o acordo mútuo, deminstrando a boa-fé do empregador e a ausência de prejuízo para o empregado.
3.2. Termo aditivo ao contrato de trabalho
Havendo o consentimento entre as partes, o termo aditivo ao contrato de trabalho deverá ser elaborado e assinado, incluindo:
1) Descrição das atividades: Especificará a modalidade de teletrabalho e as atividades que serão desempenhadas pelo empregado, com a indicação expressa da exclusão da aplicabilidade do capítulo da CLT relativo a sobrejornada.
2) Comparecimento nas dependências da empresa: O parágrafo único do artigo 75-B da CLT rege que o comparecimento às dependências da empresa para a realização de atividades especificas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. Neste aspecto, considera-se prudente o empregador elencar as hipóteses para comparecimento nas dependências da empresa, observando que a presença do empregado nas dependências da empresa deverá ocorrer o mínimo possível, haja vista que o regime de teletrabalho consiste na realização das atividades preponderantemente fora das dependências do empregador.
3) Fornecimento de equipamentos tecnológicos e infraestrutura: Relacionar os equipamentos tecnológicos e de infraestrutura que serão disponibilizados ao empregado pela empresa, com o esclarecimento objetivo de claro de como deverão ser utilizados.
4) Reembolso de despesas e custos de manutenção dos equipamentos: Indicar o reembolso de despesas arcadas pelo empregado (energia elétrica, telefonia, internet) e sua proporcionalidade, a fim de que o trabalho seja devolvido em teletrabalho.No aditivo contratual, deverá constar quais serão os custos que a empresa arcará no tocante à manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos da empresa cedido ao empregado, bem como quais critérios serão adotados para identificar o mau uso do equipamento, sendo de suma importância, ter o laudo de cada equipamento quando da entrega para o empregado, atestando que o equipamento foi entregue em perfeita condições.
5) Vale-transporte, vale-refeição e vale-alimentação: Na adoção do regime de teletrabalho, o vale transporte poderá ser suspenso, vez que não haverá deslocamento residência/trabalho/residência. Entretanto, a empresa deverá manter o vale-refeição e/ou alimentação, caso tal benefício conste em cláusula normativa.
6) Ambiente de trabalho: O empregado deverá declarar que o ambiente onde será realizado o teletrabalho é adequado para tais fins, firmando o compromisso de que o referido ambiente atende todas as exigências relativas à saúde e segurança, comprometendo-se seguir as instruções fornecidas pelo empregador. O empregador deverá entregar as referidas instruções por escrito e o empregado deverá dar ciência da leitura e assinatura do termo de recebimento.
7) Jornada de trabalho: O teletrabalho é exceção do regime de jornada de trabalho constante do inciso III do artigo 62 da CLT. Devido à impossibildiade de controle, não há direito ao pagamento de horas extras, adicionais noturno, etc. Entretanto, se houver meio de controle inequívoco patronal da jornada, é possível reconhecer tais adicionais. É lícita a utilização de sistemas próprios pelo empregador (intranet) ou programas especificamente contratados para obtenção da informação quanto as atividades/funções desenvolvidas pelo empregado no regime de teletrabalho para fins de controle das atividades e pagamento das horas extras. No entanto, como mencionado acima, não são sistemas certificados pelo Ministério da Economia [1].Havendo necessidade da realização de atividades laborais, essas deverão ser devidamente remuneradas como horas extras. Por essa razão, é de suma importância a delimitação da jornada de trabalho, inclusive com a expressa indicação para a realização do intervalo para refeição e descanso, orientado o empregado a entregar as tarefas diárias durante jornada recomendada.
8) Confidencialidade: O objetivo é impedir que o empregado divulgue informações e/ou dados confidenciais da empresa. Nesse aspecto, consideramos ser de extrema importância a menção do Código de Ética, Conduta e Relacionamento no termo aditivo contratual. Caso o empregado proceda de maneira prejudicial, este estará sujeito às penalidades previstas na legislação (Artigo 482, letras "a", "b" e "g" da CLT / Artigo 185, inciso XI da Lei nº 9.279/96.
9) Alteração do regime contratual: Caso o empregador opte pelo cancelamento da modalidade de Teletrabalho de um empregado ou de toda a equipe, a alteração no regime de contrato de trabalho é possível, desde que seja garantido ao empregado o prazo de transição, de no mínimo quinze dias, bem como é obrigatória a elaboração de novo aditivo contratual, conforme disposto do artigo 75-C, §2º da CLT.
Manual de Boas Práticas
É vital para o empregador a elaboração do Manual de Boas Práticas, pois neste documento o empregador poderá apresentar diretrizes que contribuam para o bom desempenho das atividades laborais via regime de Teletrabalho .
É do empregador a responsabilidade de orientar o empregado com relação aos seguintes aspectos:
1) Manter um ambiente adequado para o trabalho;
2) Manter infraestrutura para facilitar a comunicação com a empresa e colaboradores;
3) Manter a organização e foco para que o ambiente residencial não impacte negativamente no desempenho das tarefas;
4) Realizar o cumprimento das atividades laborativas durante a jornada plausível, afim de evitar que o empregado perca qualidade de vida, convívio familiar, lazer, etc;
5) Manter o comprometimento e responsabilidade pelas informações, equipamentos e infraestrutura fornecidos pela empresa ao empregado.
6) Garantir que o ambiente de trabalho esteja em conformidade com NR 17 (Portaria no 3.751 de 23 de novembro de 1990 do MTE) que trata da ergonomia e o estabelecimento de parâmetros que permitem a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, buscando proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.
O empregador poderá atualizar o manual de boas práticas sempre que necessário, sendo de extrema importância a ampla divulgação aos empregados.
Prevenção de acidentes e doenças ocupacionais
É de responsabilidade do empregador instruir os empregados, de forma expressa e ostensiva, quanto às precauções contra doenças ocupacionais e acidentes.
O empregador deverá instituir a obrigatoriedade de exames médicos periódicos, ou seja, periodicamente os empregados deverão passar pelo médico do trabalho afim de atestarem aptidão para o desempenho das atividades laborais. O empregador pode advertir se o empregado se recusar a cumprir regras para tutela da saúde do trabalhador, para tanto é imprescindível a elaboração e divulgação de manual de boas práticas com a entrega de um exemplar a cada empregado, mediante à assinatura de termo de recebimento.
Igualdade de tratamento
Não poderá haver tratamento diferenciado entre os empregados que executam suas tarefas em regime de teletrabalho e aqueles que as executam na sede do empregador.
Tal exigência decorre de expressa disposição da Constituição Federal e, de forma mais direta, pelo artigo 6º da CLT.
O tratamento isonômico é aplicado para as verbas de natureza salarial ou não (por exemplo, PLR).
Importante destacar que no regime de teletrabalho não se exige do empregado que indique onde exercerá sua atividade, mas tão somente que cumpra o determinado pelo empregador.
Medida Provisória nº 927/2020
No auge da Pandemia e da crise econômica instaurada, foi editada as Medidas Provisórias nº 927/20 e 1.046/21, permitiram a adoção do regime de teletrabalho sem a necessidade de acordos individuais ou coletivos, bem como dispensam o aditivo ao contrato de trabalho, claramente, diante das circunstâncias.
Conclusão
O teletrabalho traz vários benefícios tanto para o colaborador quanto para a empresa e está cada vez mais presente nas empresas, não só do Brasil, mas do mundo todo.
A flexibilidade de jornada, redução de custo e eficiência são fatores atrativos para a implementação desta modalidade de contrato de trabalho.
É de suma importância que o empregador que queira instituir tal modalidade, consulte seus empregados sobre a instituição do teletrabalho, oriento-os regularmente com base no manual de boas práticas (que deve ser atualizado, conforme necessidade), assegurando, dentro dos limites possiveis, que o ambiente de trabalho seja adequado, prevenindo que acidentes ou doenças ocupacionais sejam desencandeados em virtude de espaço ergonômico inadequado.
[1]Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.282/20 que visa a disciplina o controle facultativo de jornada no regime de teletrabalho. Na proposta, o empregador disponibilizaria extrato com o resumo dos registros efetuados no mês anterior até o dia 15 (quinze) do mês subsequente. O empregado solicitará eventuais correções nos registros no prazo de 07 (sete) dias. Sendo que, o eventual ajuste financeiro em razão de divergências será pago ou descontado no pagamento dos salários até o 5º (quinto) dia útil do mês subsequente. A aplicação, porém, desse procedimento, somente será obrigatorio se e quando da promulgação da da lei.
Camila Patricia Moreira da Costa Frazão é advogada e consultora trabalhista, especializada em Direito do Trabalho pela Escola Paulista de Direito.
Laura Aparecida Rodrigues é advogada, especializada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito, especializada em Direito Contratual pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo e especializada em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes/RJ.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2021-jun-14/frazao-rodrigues-teletrabalho-aplicacao-pratica
Fonte:sintracimento.org.br