Assédio moral no ambiente de trabalho virtual
Caio Eduardo Belarmino
Um análise prática e legislativa.
A transformação digital acelerada pela pandemia da covid-19 levou à ampliação massiva do teletrabalho no Brasil e no mundo. Com a virtualização das relações laborais, surgiram novas formas de interação profissional – e, com elas, novas formas de violência psicológica no trabalho, entre as quais se destacam o assédio moral em ambiente virtual.
Embora o assédio moral já seja reconhecido na doutrina e na proteção brasileira, a prática no contexto do teletrabalho apresenta desafios específicos: isolamento digital, abuso de poder em plataformas de comunicação, excesso de controle remoto, mensagens humilhantes fora do horário de expediente, entre outros, diante disso trazemos por objetivo analisar juridicamente o assédio moral no trabalho em seu formato virtual, abordando as principais características, a legislação aplicável, a necessidade de interpretação evolutiva da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho1 e a urgência de políticas institucionais preventivas.
Marie France Hirigoyen2 define o assédio moral como “toda conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atenta, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, colocando em perigo seu emprego ou degradando seu ambiente de trabalho”, no Brasil, ainda que a CLT não preveja expressamente o assédio moral, o instituto é extremamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência3 como gerador de indenização por dano moral (art. 927 do CC)4.
O assédio moral pode se manifestar de diferentes formas, conforme a posição hierárquica entre o agressor e a vítima:
Descendente vertical: Do superior para o subordinado.
Vertical ascendente: Subordinado contra o superior.
Horizontal: Entre colegas de mesmo nível hierárquico.
Misto: Envolve vários níveis hierárquicos em conjunto.
No ambiente virtual, essas modalidades mantêm-se presentes, mas com investigações próprias, muitas vezes menos visíveis, porém igualmente danosas.
Com o uso de e-mails, videoconferências, chats internos e aplicativos de mensagens corporativas, o assédio moral ganhou novas formas, mais sofisticadas e difíceis de serem rastreadas. Dentre as condutas mais comuns destacamos:
Excluir especificamente vítimas de reuniões virtuais ou grupos de comunicação;
Submeter o trabalhador a vigilância excessiva durante o home office;
Enviar mensagens ofensivas ou humilhantes fora do horário de expediente;
Expor o trabalhador ao ridículo em plataformas digitais da empresa;
Ignorar e-mails, reclamações ou instruções da vítima, de forma proposital e repetida.
Essas práticas violam não apenas princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88)5, mas também os direitos da personalidade e a obrigação patronal de manter um ambiente de trabalho sadio.
Apesar da ausência de tipificação penal ou trabalhista especificamente sobre o assédio moral virtual, diversas normas já permitem sua repressão:
Art. 7º, XXII, da Constituição Federal: direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho.
Art. 483 da CLT: permite ao trabalhador rescindir o contrato se for tratado com rigor excessivo.
Art. 186 e 927 do Código Civil: responsabilização por dano moral.
Lei 14.457/226: implementou o Programa Mais Mulheres, com foco na prevenção do assédio e da discriminação no trabalho, obrigando as empresas com a CIPA a adotarem medidas educativas, canais de denúncia e normas internacionais sobre o tema.
No entanto, o ambiente virtual ainda carece de regulamentação específica. A transparência começa a enfrentar casos envolvendo e-mails e mensagens ofensivas, mas sem uma uniformização clara quanto aos critérios de prova e responsabilidade.
Um ponto positivo do assédio virtual é que ele tende a deixar provas documentais: mensagens de texto, e-mails, gravações de reuniões, prints de tela etc.
Ainda assim, é necessário garantir que a coleta de provas respeite os limites legais de privacidade e de boa-fé. As empresas devem orientar seus colaboradores sobre os meios corretos para denunciar condutas abusivas e preservar a prova.
O assédio moral no ambiente virtual é uma realidade que desafia os modelos tradicionais de regulação trabalhista. Embora a legislação brasileira já permita coibir e punir tais práticas, ainda é urgente desenvolver uma norma específica, que reconheça a complexidade dos abusos digitais no mundo do trabalho/teletrabalho.
A atuação proativa das empresas, aliada à conscientização dos trabalhadores e ao fortalecimento das políticas de compliance e inclusão, será fundamental para garantir um ambiente de trabalho mais justo, saudável e digno, independentemente do meio em que se realiza.
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1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
2 GAMONAL CONTRERAS, Sergio; PRADO LÓPEZ, Pamela. El Mobbing o Acoso Moral Laboral. Chile: Lexis Nexis, 2006, Apud Gamonal, 2006, p. 12, tradução livre.
3 AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – ASSÉDIO MORAL – CARACTERIZAÇÃO INDENIZAÇÃO REPARATÓRIA – CABIMENTO – O assédio moral decorre de tortura psicológica continuada, consubstanciada no terror de ordem pessoal, moral e psicológica praticado contra empregado ou grupo de empregados, no âmbito da empresa, podendo ser exercitado pelo superior hierárquico, por empregados do mesmo nível e pelos subordinados contra o chefe, isto é, pode ocorrer no sentido vertical e horizontal (ascendente ou descendente), tem como fito tornar insuportável o ambiente laboral, obrigando o trabalhador a tomar a iniciativa, por qualquer meio, do desfazimento do contrato de trabalho. In casu, ficaram perfeitamente demonstradas no acórdão regional condutas tendentes a isolar do convívio social aqueles empregados, que de acordo com o perfil da empresa, não se adequam ao conceito de bom trabalhador. Agravo de instrumento desprovido. (TST – AIRR 34340-61.2008.5.06.0142 – Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho – DJe 25.02.2011 – p. 790)
4 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
5 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
6 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14457.htm
Caio Eduardo Belarmino
Advogado, sócio do escritório Belarmino Sociedade de Advogados, pós-graduado em Performance Advocatícia pela ESD e coautor de obras jurídicas.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/428448/assedio-moral-no-ambiente-de-trabalho-virtual
Fonte:sintracimento.org.br