Um debate sobre o neoliberalismo e o FMI
Os enxugadores de gelo ignoram que as dívidas dos emergentes estão sempre sujeitas às exigências dos investidores
No último dia 10 fomos informados por um amigo que um economista chamado Márcio Garcia dedicou todo seu espaço na coluna doValor para comentar o nosso artigo “Foi o patrão quem falou”, zeloso da condição que nos arvorou em formadores de opinião.
Não vamos levar a sério a sugestão de que distorcemos as palavras do FMI para que soassem como críticas ao neoliberalismo. O título do estudo do FMI é Neoliberalism: Oversold? O próprio Valor já havia publicado matéria em 30 de maio com o título: “Desigualdade leva o FMI a rever agenda neoliberal”.
Outras críticas de Márcio Garcia decorrem de interpretações distorcidas de nossos argumentos. Acusá-lo de desonestidade intelectual não seria apenas rude, mas também um equívoco, pois lhe faltam predicados para tanto.
Nossa análise vai no sentido de avaliar a trajetória da relação dívida/PIB. Acreditamos, assim como o FMI, ser preferível a eleição de políticas que permitam a redução do porcentual da dívida “organicamente pelo crescimento” do que tentar sua reversão no curtíssimo prazo, por meio da “elevação da carga tributária e cortes em gastos produtivos” (outra expressão do estudo do FMI).
Essa observação é ainda mais pertinente para o caso de economias em recessão, como foi demonstrado pela aritmética presente no artigo do próprio Márcio Garcia: “No caso brasileiro atual, tomando as informações do relatório Focus do Banco Central (juro Selic real de 7,1%, crescimento real do PIB de 3,7% e dívida bruta de 66,5% do PIB, em dezembro de 2015), o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida bruta/PIB em 2016 seria de, aproximadamente, 0,665 x (0,071 (0,037)) = 7,2% do PIB! Um esforço fiscal que, a esta altura, é completamente inviável”.
É evidente que recorremos a um exemplo, deliberadamente simplificado e hipotético, para demonstrar o esforço fiscal necessário para estabilizar a relação dívida/PIB em um cenário de juros altos.
A pretensão de Márcio Garcia de que o seu cálculo não seja também um exemplo simplificado, ou que reflita a realidade dos números da economia brasileira, não resiste a um acesso à página do Banco Central na internet. Caro Garcia, nem toda a dívida bruta é incrementada pela Selic.
De janeiro a dezembro de 2015, as despesas com juros nominais alcançaram 501,8 bilhões de reais. Os juros atrelados à Selic foram de 179,1 bilhões. Conforme o BC, a dívida bruta atingiu 3,927 trilhões de reais, 39,2% indexada à Selic, em dezembro de 2015. Câmbio, Índices de Preços (IGP-M, IGP-DI, IPCA), TJLP, TR e Pré-fixado indexam os outros 60,8% da dívida. Portanto, os juros reais que incidem sobre a dívida bruta na “fórmula bem conhecida” de Márcio Garcia estão equivocados.
Em 2014, a relação dívida/PIB era de 57,2%. Em 2015, a dívida bruta cresceu quase 21%, saltando para os indigitados 3,927 trilhões. O crescimento nominal do PIB foi de 3,8%, alcançando o valor de 5,904 trilhões.
A dívida deveria estacionar em 3,377 trilhões para manter a mesma proporção em relação ao PIB de 5,904 trilhões em 2015, ou seja, encolher 550 bilhões, o equivalente a 9,3% do PIB ao final do período.
Para ilustrarmos a inexequibilidade desse esforço: em 2015, o Orçamento original destinou aos ministérios da Educação 103 bilhões de reais, da Saúde 121 bilhões, do Desenvolvimento Social 75 bilhões, dos Transportes 19 bilhões.