Lojista não causa dano moral por questionar dados de transexual, diz TJ-RS
PROCEDIMENTO PADRÃO
Não é conduta humilhante ou constrangedora o lojista questionar, reservadamente, os dados pessoais de um cliente que mudou de sexo e passou a ter novo registro de identidade. Logo, não se pode falar em ofensas a direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição. Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que negou o pagamento de indenização por danos morais a um transexual de Porto Alegre.
No 1º e no 2º grau, os julgadores não encontraram ‘‘qualquer fato preciso e específico’’ imputado aos funcionários da loja capaz de demonstrar constrangimento por discriminação de gênero, pois a cliente estava em local específico para cadastro pessoal. Ou seja, não houve ‘‘exposição da situação fática’’ aos demais clientes que circulavam pelo estabelecimento.
Segundo os autos, a autora — após ter feito cirurgia de mudança de sexo e obtido novo registro civil, com nome feminino — foi à loja para tirar um cartão de crédito. Como já era cliente, com nome masculino, os funcionário da loja pediram esclarecimentos sobre seus dados cadastrais. Durante o atendimento de atualização cadastral, a consumidora disse ter escutado vários comentários desrespeitosos por parte dos funcionários, o que a fez se sentir humilhada.
Além disso, a matriz da loja enviou um novo cartão de crédito, mas com os dados cadastrais antigos. Embora o erro tenha sido corrigido logo em seguida, com o reenvio de um cartão com os dados atualizados, a autora se sentiu desrespeitada. Por entender que foi vítima de falha na prestação do serviço, ajuizou ação de danos morais contra a loja, por discriminação de gênero, pedindo reparação no valor de 50 salários mínimos.
Procedimento de praxe
No primeiro grau, a Vara Cível do Foro Regional Alto Petrópolis julgou improcedente a ação indenizatória por entender que a parte autora não foi submetida a nenhum constrangimento por ser transexual.
O juiz Paulo de Tarso Carpena Lopes observou que os transexuais e transgêneros têm o direito de serem reconhecidos e tratados em conformidade com sua identificação social, como sinaliza o artigo 1º, inciso III, da Constituição, que considera o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Entretanto, no caso concreto, o julgador não viu qualquer tipo de discriminação de gênero, pois os depoimentos atestaram que a funcionária da loja apenas seguiu o procedimento de praxe adotado pela empresa — confirmar a veracidade dos dados fornecidos por quem busca efetivar cadastro junto à loja.
‘‘A dúvida é certa daquele que se vê diante de uma mulher, mas o CPF indicado no cadastro consta como titular um homem, cujo nome seria C., enquanto que a pessoa que se apresentava no local identificou-se como Márcia. Não vislumbro qualquer afronta a direito pátrio, tampouco abuso por parte da empresa que exige que seus funcionários sejam categóricos aos solicitarem a apresentação de determinados documentos, bem como preenchimento de certos formulários’’, justificou Carpena Lopes na sentença.
Alegações não comprovadas
O relator da apelação na 6ª Câmara Cível do TJ-RS, desembargador Niwton Carpes da Silva, disse que o caso atrai a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), dentre estas a inversão do ônus da prova, mas era imprescindível a presença de ‘‘verossimilhança nas alegações’’ da parte autora — o que não ocorreu no processo.
Conforme o relator, diante do grande número de fraudes, que causa prejuízos gigantescos a lojistas e consumidores, mostra-se necessária a exigência de maior cuidado na concessão de crédito. ‘‘Por evidente que tais exigências devem ser preventivas e não repressivas, devendo o consumidor [ser] tratado com educação e respeito, não se admitindo situações de preconceito, humilhação e constrangimento, seja envolvendo sexo, cor, credo ou classe social’’, complementou no acórdão.
Carpes ressaltou que, embora o fato de a autora ter recebido o cartão de crédito constando o seu antigo nome masculino represente uma falha por parte da loja ré, que não atendeu a contento o seu pedido, isso não causa, por si só, abalo moral. É que, segundo os autos, a questão acabou solucionada, pois a loja enviou o cartão de crédito com o nome retificado da autora.
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Processo 001/1.16.0032169-1 (Comarca de Porto Alegre)
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2019
Fonte: sintracimento.org.br