Sem formar base e com PSL isolado, Bolsonaro tenta afagar Congresso
Após derrota na Câmara e com aval incerto a projetos, presidente acena com nomeações no segundo escalão e liberação de emendas
O primeiro mês da nova legislatura do Congresso termina nesta quinta-feira (28) sem que a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tenha conseguido formar base aliada e com um isolamento progressivo de seu partido.
Agora, Bolsonaro busca contornar a irritação de líderes do Legislativo com o Planalto para diminuir a incerteza em relação à reforma da Previdência, principal pauta econômica do início do governo, e ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), outra bandeira do mandato.
Uma semana após sofrer sua primeira derrota na Câmara, que levou a gestão a revogar decreto com mudanças na Lei de Acesso à Informação, o presidente se reuniu na terça (26) com líderes partidários e assumiu para si a responsabilidade de azeitar a relação entre Executivo e Legislativo.
"Quem tem o poder de decidir é o presidente. Se não houver nenhum tipo de atitude daqui para frente, é porque o presidente não quis tomar. É diferente de um ministro, que está sempre precisando de autorização", afirmou o líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA).
Acompanhado apenas do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, único não militar da cúpula do Planalto, o presidente assentiu com a nomeação de cargos no segundo escalão nos estados por indicação dos deputados e com a liberação de emendas sem contingenciamento.
Bolsonaro tenta conter uma articulação do centrão, que passou recados ao governo de que poderia procrastinar a reforma da Previdência. Ele se comprometeu a tornar reuniões com líderes rotineiras, ainda que não tenha fixado periodicidade. Onyx assumiu o tom pragmático de atender aos pleitos dos congressistas.
A ausência do ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo), general que está no Quênia para encontro da ONU sobre missões de paz, foi interpretada como um sinal de que a articulação política será uma exclusividade de Onyx.
Apesar disso, em mais uma mostra das dificuldades que virão, é Santos Cruz quem mantém melhor relação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desde a saída de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral. Maia tem sido o principal fiador da reforma na Casa e é desafeto do ministro da Casa Civil.
O governo Bolsonaro nomeou até aqui auxiliares de sua própria sigla para todos os postos relevantes de articulação política, o que, segundo parlamentares, demonstra que o governo está isolado.
O PSL ocupa não só a liderança na Câmara, com Major Vitor Hugo(GO), como a do Congresso, com Joice Hasselmann (SP). Tem a presidência da principal comissão, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), além de três postos na vice-liderança da Casa.
A falta de traquejo político para a escolha, na segunda-feira (25), dos nomes que ocupam os cargos de vice-líderes é emblemática do estado da negociação política do governo com os deputados.
Os postos, tradicionalmente ocupados por diversos partidos, são importantes para fazer a ponte entre o Executivo e o resto do Congresso, e Bolsonaro esperava com eles melhorar a relação já desgastada.
Porém partidos do centrão como PRB, DEM, Solidariedade e PSD se recusaram a compor. Seus líderes dizem que isso seria confirmar que são parte da base do governo, algo a que não estão dispostos sem contrapartida do Executivo.
Pelo mesmo motivo, parlamentares têm fugido ao serem sondados para assumir a relatoria da mudança das regras da aposentadoria. O argumento é que são os deputados que ficam com o ônus de votações impopulares.
Dirigentes do centrão reclamam, por exemplo, do fato de governadores terem sido privilegiados na apresentação do texto da reforma, enquanto eles não foram consultados.
Maia vocalizou a insatisfação. "Hoje, eu digo que o governo tem o PSL na base e não tem mais partido nenhum", afirmou nesta semana.
Parlamentares se dizem ofendidos com o discurso antipolítica de Bolsonaro e, nos corredores do Congresso, não escondem a intenção de atrasar a tramitação da reforma até que haja acenos de mudança na estratégia do governo.
"O pessoal reclamou que precisa de atendimento melhor [do governo] e chamamos o presidente a ser o garoto propaganda da reforma da Previdência", disse Paulo Martins (PR), líder do PSC. "Ele tem poder de comunicação maior que o de todo mundo somado e vai ajudar a criar um ambiente favorável."
Apesar da reunião com Bolsonaro, líderes planejam enviar novo recado depois do Carnaval, com a convocação do ministro da Educação, Ricardo Vélez, para se explicar por declaração em que chamou brasileiros de canibais.
A ideia é mostrar que, apesar da sinalização do presidente, uma só conversa não basta para acalmar os ânimos.
Para Elmar Nascimento, quando a articulação política está organizada, são privilegiados interesses do governo. Se não, quem faz a pauta são os líderes. "A articulação política do governo hoje está zero", afirmou o líder do DEM.
Vitor Hugo é alvo de constantes críticas. Deputados próximos a Maia dizem que ele não tem recebido o líder do governo —que não participou de reunião nesta quinta (27) com os presidentes do Legislativo e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A DESARTICULAÇÃO
O que querem os deputados?
- Liberação de emendas
- Repasses extraorçamentários para novatos
- Acesso ao presidente
- Cargos nos estados
O que disse Bolsonaro na campanha contra a velha política (cargos e repasses) e o que promete agora?
Na campanha
- Negociação seria com bancadas temáticas, e não partidos
- Não haveria toma lá dá cá, troca de cargos por apoio ao governo
- Emendas serão liberadas sem contingenciamento
Agora
- Deputados indicarão currículos técnicos para cargos nos estados
- Usaria critérios técnicos para preencher ministérios
- Planalto estreitará relação com Congresso
Quais os pontos atuais de atrito?
- PRB, PSD, DEM e MDB recusaram vice-lideranças do governo no Congresso até que governo prove disposição em dividir poder
- Líder do governo na Câmara não tem poder de fato para negociar com deputados
- Governo promete, mas deputados vão esperar liberação de verbas e cargos saírem do papel para aderir à base
O que isso já custou?
- Bolsonaro sofreu primeira derrota na Câmara e acabou revogando decreto que ampliava número de servidores autorizados a impor sigilo a dados públicos
- Queda do ex-deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) da equipe de articulação política da Casa Civil
- Demora na instalação de comissões na Câmara e, por consequência, indefinição sobre tramitação da reforma da Previdência
O que vem por aí?
- Reforma da Previdência (precisa de 308 votos)
- Pacote anticrime de Moro (foi desmembrado, separando a criminalização do caixa dois, para facilitar tramitação)