As razões por que a bolsa bate recorde enquanto a economia patina
Por BBC
O mercado de ações começou a semana com otimismo. O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, bateu 100 mil pontos pela primeira vez na história na tarde de segunda-feira (18). Na terça, chegou a superar essa pontuação, refletindo um aparente entusiasmo de operadores do mercado financeiro em relação ao futuro das empresas brasileiras.
Para a economia real, no entanto, as perspectivas são mais pessimistas; analistas vêm reduzindo há semanas as projeções para o crescimento econômico em 2019.
Por que o mercado está tão otimista em um momento em que o crescimento econômico patina e o desemprego segue em alta? No mesmo dia em que o Ibovespa bateu os 100 mil pontos, o Banco Central divulgou um relatório em que seus economistas reduziram de 2,28% para 2,01% a previsão para o crescimento da economia brasileira em 2019. O relatório, intitulado Focus, é feito a partir de pesquisa semanal com consultorias e instituições financeiras.
Diante da alta do Ibovespa, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, publicou um tuíte entusiasmado: "Após início dos trabalhos sobre a nova previdência e durante viagem do PR @jairbolsonaro aos EUA bolsa de valores ultrapassa a marca histórica dos 100.000. Isto significa que há muito otimismo na política do presidente JB. Quem apostar no Brasil vai ganhar!"
A BBC News Brasil ouviu especialistas para entender o que explica a aparente euforia do mercado. A opinião geral é de que o movimento reflete a expectativa de que a economia se recupere ao longo do ano e que o governo aprove uma Reforma da Previdência que representará uma economia significativa para o país. No entanto, há outros fatores em jogo. Veja abaixo os principais argumentos apresentados.
Ibovespa bate os 100 mil pontos nesta segunda-feira (18). — Foto: Arte/G1
Reforma da Previdência
O economista Juan Jensen, da 4E Consultoria, acredita que o otimismo do mercado se deva à expectativa pela aprovação da Reforma da Previdência, principal projeto do governo Bolsonaro. A Proposta de Emenda à Constituição que dá conta das mudanças e regras de aposentadoria para a iniciativa privada e o funcionalismo público foi enviada ao Congresso em fevereiro. Não está claro, no entanto, em que formato a reforma será aprovada, se é que será. Além disso, falta ainda uma proposta de mudanças para militares, que deve ser apresentada aos parlamentares nos próximos dias.
Jensen avalia que, com a reforma, o mercado espera que a economia ganhe tração.
"A aprovação da reforma implica em aumentar a taxa de crescimento do país. Por conta disso, o valor das empresas aumenta. Elas vão vender mais e lucrar mais, por isso o valor sobe. O aumento do crescimento do país beneficia todas as empresas", diz ele.
Mas se a reforma daria tração à economia, por que economistas vêm reduzindo as projeções de crescimento do PIB?
Para Jensen, essas análises não levam em conta a aprovação da Reforma da Previdência, que não deve acontecer tão cedo.
"Como a reforma provavelmente só será aprovada no segundo semestre, o impacto sobre 2019 é pequeno. O baixo crescimento da economia no final do ano passado deixou um peso para este ano. Isso não muda o fato de que, se uma reforma robusta for aprovada, a economia vai entrar numa trajetória de maior crescimento, com mais investimento, confiança, crédito. Mesmo com essa frustração a curto prazo, a expectativa é de que, se uma boa reforma for aprovada, o ritmo da economia mudará em relação ao que temos hoje. Isso ficaria mais claro na taxa de crescimento de 2020", diz Jensen.
"Desde a eleição, o governo vem deixando muito claro que seu principal plano é passar a reforma. A bolsa vai incorporando essa probabilidade de aprovação", diz Luiz Azevedo, superintendente de análise da Corretora Safra.
Otimismo exagerado?
Jensen acha, no entanto, que os operadores do mercado financeiro estão excessivamente otimistas em relação ao impacto da reforma. A proposta apresentada pela equipe econômica prevê economia de mais de R$ 1 trilhão em apenas dez anos, mas, para isso, ela teria que ser aprovada pelo Congresso exatamente como foi desenhada, o que pode não acontecer.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a impopularidade da reforma e a necessidade de conquistar amplo apoio parlamentar obrigará o governo Bolsonaro a construir uma articulação com deputados e senadores, o que pode desidratá-la.
"O principal obstáculo é político, e não econômico. Alguns analistas acreditam que a articulação (política) será boa, que houve grande renovação no Congresso. No entanto, já há sinais de que o governo enfrenta dificuldades", diz ele. Na segunda-feira, o PDT decidiu que os parlamentares da sigla devem votar contra a proposta.
"Se você começa a ceder para uma categoria ou outra, cede a eficácia da reforma. Não é provável que se consigo tudo que estão querendo, mas o ótimo é inimigo do bom. É muito possível que se consiga algo no meio do caminho, algo que será positivo", diz Edigimar Max Maximiliano, superintendente executivo da Corretora Safra.
O problema de não se aprovar a reforma, ou aprovar uma reforma que não represente uma economia significativa para os cofres públicos, dizem esses analistas, é que isso colocaria em xeque a tendência de crescimento econômico, na opinião dele.
"As ações e o Ibovespa voltarão a cair para bem abaixo dos 100 mil pontos se não apresentarmos uma reforma ou se apresentarmos uma muito diferente da (que foi proposta) pela equipe econômica."
Jensen descarta, no entanto, que esteja se formando uma "bolha" de crescimento exagerado no mercado em relação à Reforma da Previdência. "Se a reforma que sair for próxima à proposta pelo governo, a Bolsa vai subir além do que já subiu. Haverá uma recuperação, as empresas vão começar a ter mais lucros. (O entusiasmo) tem fundamento. Nesse sentido, os ativos no Brasil continuam baratos. A Bolsa deve continuar subindo desde que uma Reforma da Previdência ampla seja aprovada."
Analistas ouvidos pela agência Reuters apontam também que, além da expectativa pela reforma, o mercado acompanha a agenda de privatizações e concessões – fontes alternativas, ainda que menores, de recursos para sanar a questão fiscal.
No dia 15 de março, o governo realizou um leilão para a concessão de 12 aeroportos que somou R$ 2,377 bilhões (em ativos arrecadados).
Viccenzo Patrnostro, responsável pela área de renda variável da Legacy Capital, disse à Reuters que o investimento estrangeiro "vai ser o responsável por uma nova mudança de patamar do Ibovespa". Para ele, no entanto, o capital externo só virá com força com a aprovação da reforma.
Representantes da Aena batem o martelo ao final do leilão de aeroportos, que garantiu uma arrecadação de R$ 2,377 bilhões — Foto: Darlan Alvarenga/G1
Juros no Brasil e fora do país
Outro fator que impulsiona o Ibovespa é o fato de que há a expectativa de que o Federal Reserve, o banco central americano, não aumentará os juros (mecanismo usado pelos bancos centrais para controlar a inflação) por lá no futuro próximo.
Em janeiro, o Fed decidiu manter a taxa entre 2,25% e 2,5% ao ano e não falou sobre aumentos graduais, o que foi interpretado por alguns analistas como um sinal de que ela será mantida pelos próximos meses.
"O contexto internacional acaba ditando a dinâmica. Quando o Fed mantém juros mais baixos, há menos dinheiro indo para lá", diz Maximiliano.
No Brasil, também se espera que a taxa Selic fique nos patamares atuais (6,5%) ou volte a ser reduzida.
"O Brasil tem uma combinação histórica. O fato de haver 13 milhões de desempregados faz com que provavelmente não haja pressão inflacionária. Provavelmente conseguiremos ter um crescimento razoavelmente virtuoso para acontecer sem pressionar a inflação e sem precisar de aumento de juros para segurar a inflação, o que significa que eles devem permanecer altos por algum tempo. Significa também que quem tem algum dinheiro para investir, em vez de deixar nos juros baixos, vai acabar indo para a bolsa. Petrobras, Banco do Brasil, são empresas que têm uma perspectiva de melhora diante desse cenário", diz Maximiliano.
Crescimento do Ibovespa não é de hoje…
Especialistas ouvidos pela BBC ressaltam que o entusiasmo do mercado não é de agora. Segundo eles, o Ibovespa vem avançando desde 2016, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, quando Michel Temer, visto como um político comprometido com a agenda liberal, assumiu o governo.
Os entrevistados dizem que, na área econômica, o plano de Bolsonaro está alinhado com o que os agentes econômicos esperam: manutenção e aprofundamento das reformas feitas pelo governo Temer, privatizações, e enxugamento do Estado.
"Por que isso está acontecendo hoje? Basicamente porque teria que acontecer alguma hora. Era algo previsto", diz Einar Rivero, gerente de relacionamento institucional da Economatica, empresa de informações financeiras.
… e nem foi tão grande quanto pareceu
Rivero diz, no entanto, que o índice não bateu seu recorde real na segunda-feira, ou seja, seria preciso descontar a inflação da valorização das ações. "É preciso entender que esse é um valor nominal. Ajustando a série histórica pela inflação, você vê que o índice atingido hoje ainda está longe do pico histórico, que aconteceu no dia 20 de maio de 2008, quando chegou aos 134.917 pontos corrigidos", diz Rivero.
Ele afirma que também é importante ler o índice com o olhar de investidor estrangeiro. "O investidor estrangeiro olha o índice em dólares. Nessa moeda, o Ibovespa também está bem abaixo do pico histórico", diz o economista.
g1
Fonte: sintracimento.org.br