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Reforma da Previdência: um debate interditado e ausente

No momento em que a maior parte da sociedade brasileira, em especial a classe trabalhadora, poderá ser afetada por uma proposta de reforma do sistema previdenciário de cunho perversa, é importante resgatar alguns aspectos ausentes neste debate, particularmente quando o pêndulo das discussões se concentra em apenas um dos lados da balança.   



Por Lauro Mattei*





 

 

Reforma da Previdência: um debate interditado e ausenteReforma da Previdência: um debate interditado e ausente

Todos sabemos que na casa de uma família; em uma empresa, seja ela pequena, média ou grande; em um banco; em uma loja comercial; em um órgão governamental, seja ele municipal, estadual ou federal; em uma universidade pública ou privada, etc. há sempre uma relação elementar e preponderante quando se discute a saúde financeira: as receitas obtidas e as despesas efetuadas.



Quando analisamos o debate atual sobre a reforma da previdência, fica evidente que o pêndulo dessa discussão está concentrado em apenas um dos lados anteriormente mencionados, indicando um forte viés nos possíveis resultados, bem como a provável recolocação do problema na agenda pública logo mais adiante, como foram os casos das reformas do sistema previdenciário realizadas pelos Governo FHC (década de 1990) e Governo Lula (anos 2000).



Neste sentido, o presente artigo visa explicitar sérios problemas existentes na esfera das receitas do sistema, os quais estão ficando à margem nos debates atuais. Como os mesmos vêm de longa data, é importante fazer neste momento uma breve retrospectiva histórica. Todos sabemos que a Constituição Federal promulgada em 1988 contém um capítulo específico sobre Direitos Sociais, onde se instituiu o Sistema de Seguridade Social, composto pela Saúde, Previdência Social e Assistência Social, e se estabeleceu os mecanismos de financiamentos do mesmo. Os artigos 194 e 195 da Constituição definem que esse sistema se financiará à luz de três parâmetros correlatos: a contribuição dos trabalhadores (incidente sobre os salários); a contribuição dos empresários (incidente sobre o faturamento e lucro obtidos pelas empresas); a contribuição do governo federal (via arrecadação fiscal). No caso específico do governo, essas receitas são oriundas do CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido); COFINS (contribuição que até 1991 se chamava Finsocial); arrecadação de jogos legalizados pela Caixa Econômica Federal (CEF); receitas com sistema PIS/PASEP.



Esse mecanismo de financiamento do Sistema de Seguridade Social foi sendo descaracterizado ao longo do tempo. O primeiro desmonte aconteceu em 1994 quando foi aprovada a PEC da Desvinculação das Receitas da União (DRU), momento em que até 20% das receitas da Seguridade Social passaram a custear despesas fiscais do governo. Segundo a ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) somente entre 2000 e 2012 aproximadamente R$ 300 bilhões foram retirados da Seguridade Social.



O segundo momento de desarticulação do sistema de receita da Seguridade Social ocorreu em 2016 quando o governo Temer elevou a DRU para 30%. Isso significou, segundo a mesma fonte, que quase R$ 100 bilhões das receitas da Seguridade foram utilizadas no ano de 2016 para cobrir despesas fiscais do governo federal.



O terceiro momento de desmonte do sistema de financiamento da seguridade social diz respeito à política de desoneração de contribuições sociais que está em curso há décadas. Para se ter uma ideia do impacto desastroso dessa política sobre a Seguridade Social basta indicar que apenas no ano de 2016 R$ 142 bilhões deixaram de ser arrecadados pelo governo federal, montante que representou aproximadamente 2,3% do PIB.



Além desse processo de desmonte do sistema de financiamento, existem as históricas e famosas dívidas empresariais. Dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de 2016 revelaram que, das 32.224 empresas devedoras, 3% delas eram responsáveis por aproximadamente 63% da dívida total do sistema. No referido ano o valor absoluto ultrapassou a R$ 426 bilhões. Além disso, registrou-se que 82% dessas empresas continuavam na ativa, destacando-se as dívidas do grupo JBS, Vale, Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e dos grandes times de futebol. Por outro lado, a mesma PGFN revelou que em 2016 foi recuperado apenas 1% dessa dívida total, percentual que pode ser considerado extremamente baixo e que historicamente tem favorecido os devedores.



O conjunto desses elementos nos permite afirmar que uma solução duradoura para a saúde do sistema de seguridade social no Brasil passa, obrigatoriamente, por uma reforma também pelo lado da receita, de tal maneira que venha preservar as fontes originais de financiamento desse sistema, ao mesmo tempo em que sejam introduzidos mecanismos mais eficazes de controle sobre os devedores, impedindo-os de protelar ad infinitum os pagamentos devidos.



Por tudo isso, os brasileiros têm razões suficientes para ir às ruas e dizer um não à proposta de reforma da previdência formulada pelo atual governo!



 

*Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ.

 

Vermelho

 

Fonte: sintracimento.org.br

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