Autonomia do Banco Central é a raposa no galinheiro
O projeto pode parecer, à primeira vista, o supra sumo da modernidade, mas não é bem assim, muito pelo contrário."
Por Nelson Marconi*
Existe um regime de metas de inflação no Brasil segundo o qual, uma vez definida essa meta, o Banco Central deve operar a chamada política monetária para levar as pessoas, empresas e bancos a acreditarem que a inflação ficará em torno da meta fixada. Essa política monetária é controla, em última instância, pela taxa de juros do mercado e a quantidade de crédito na economia. Se a taxa de juros sobe, o impacto sobre o nível de atividade e emprego é negativo e, assim, o BC espera que as pressões de empresas e trabalhadores por aumentos de preços e salários sejam menores. Ninguém gosta de falar isso, mas quando o Banco Central quer reduzir a inflação, acaba provocando desemprego. E quando quer estimular o nível de atividade, também consegue, reduzindo a taxa de juros. Além disso, a sua política de juros consegue controlar a taxa de câmbio, exercendo impacto tanto sobre os preços como o setor produtivo nacional. É, portanto, um instrumento de política econômica poderosíssimo.
Hoje o BC já dispõe de autonomia suficiente para praticar a política monetária necessária para tentar cumprir a função que lhe é atribuída – levar a inflação a ficar dentro da meta. Existe uma série de regras que disciplinam a sua ação. Faltam, na verdade, mecanismos maiores de transparência e responsabilização pela atuação de seus dirigentes. Qual é, portanto, o objetivo deste projeto? Um deles é esse último – reduzir a possibilidade de responsabilizá-los. O outro é ainda pior – retirar a prerrogativa do Presidente da República de nomear um Presidente do Banco Central e seus diretores em seu início de mandato e demiti-lo se achar necessário. Justamente aqueles que vão gerir um assunto tão importante como a política monetária, instrumento fundamental tanto da política de crescimento econômico como de controle da inflação.
No fundo, os defensores do projeto estão afirmando o seguinte: o Presidente da República e os ministros da área econômica são incompetentes para gerir a política econômica, portanto uma parte dessa política deve ser “insulada”, isso é, protegida das más influências da política strictu sensu, e a forma de fazê-lo é entregar a condução dessa política aos que entendem do riscado e protegê-los das influências externas. Alguém tem dúvidas sobre quem seriam aqueles que entendem do riscado, na visão dos defensores da ideia? Os profissionais do mercado financeiro, logicamente. Seriam aqueles que teriam uma visão técnica e neutra do ponto de vista político… como se emprego, crescimento e inflação não fossem assuntos totalmente afeitos aos interesses dos diversos grupos da sociedade e não afetassem a toda a população. Inclusive aos interesses do mercado financeiro.
Como, só para agravar, o mercado financeiro é altamente concentrado no Brasil – vejam tabela abaixo, publicada pelo próprio BC, que mostra como os ativos são concentrados em cinco instituições e como isso piorou nos últimos anos -, quem vocês acham que indicaria os dirigentes e desenharia a política monetária do país? É o típico caso da raposa cuidando do galinheiro.
Na verdade, os mecanismos de transparência, controle e responsabilização das atividades do BC, como em qualquer sociedade que se queira moderna e democrática, deveriam ser ampliados, e não reduzidos, como quer o projeto. Países mais avançados não se descuidam destes mecanismos. Vejam os exemplos na Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, países que os liberais adoram festejar. O Conselho Monetário Nacional, que define a meta de inflação, a ser perseguida pelo BC, deveria ser ampliado – hoje é composto apenas pelos Ministros da Fazenda, Planejamento e do Banco Central. Os empresários do setor produtivo e trabalhadores também deveriam participar da discussão em torno dessa definição. É o oposto do que propõe o governo.
Esse assunto é muito sério, extremamente importante para a sociedade e urge que a população entenda os efeitos desse projeto de lei sobre todos. Não é fácil, e é tarefa de todos explicar isso. Temos que debatê-lo e estressá-lo muito. Do contrário, as pessoas vão achar que é uma questão meramente técnica e o mercado financeiro vai, fácil fácil, aprová-lo no Congresso, o que será muito prejudicial para o país e todos que estão interessados em seu crescimento. Os bancos estão cuidando dos interesses deles. Temos que cuidar dos interesses da nação. Certamente não são os mesmos.
*Nelson Marconi é graduado em economia pela PUC-SP e mestre e doutor em economia pela FGV-SP, professor adjunto de cursos de graduação, mestrado e doutorado acadêmico e mestrado profissional em Administração Pública e Governo, professor associado no curso de Economia na PUC-SP, colaborador da Organização Internacional do Trabalho e um dos coordenadores do programa de governo de Ciro Gomes.
Vermelho
Fonte:sintracimento.org.br