Filiado à:

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

Veto a Míriam Leitão é o veto do bolsonarismo à democracia

"Bolsonaro liberou demônios antes envergonhados, libertou gente antes intimidada em expor sua face autoritária. Basta ver o que sua turma vem dizendo nas redes sociais: sua conversa é sobre fechar Congresso, expulsar ministros do STF e coisas do gênero".



Por Rodrigo de Almeida, no Poder 360

Foto: AFP / BBC News Brasil

 

A marcha acelerada da insensatez em curso no Brasil avançou mais algumas casas, com o desconvite da 13ª Feira do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, à jornalista Míriam Leitão e ao seu marido, o cientista político Sérgio Abranches. Ambos fariam palestra no próximo dia 15 de agosto, na qual falariam sobre a formação como escritores, sobre seus livros e sobre os livros que os marcaram.



Uma petição com mais de 3 mil assinaturas chegou à organização da Feira pedindo a cabeça dos dois. A razão, como explicitou o documento, é típica das sombras vigentes hoje no país: “Por seu viés ideológico e posicionamento, a população jaraguaense repudia sua presença [grifos meus], requerendo, assim, que a mesma não se faça presente em evento tão importante em nossa cidade”.



Tão chocante quanto o veto coletivo destes 3 mil representantes da população jaraguaense foi a decisão tomada pelos organizadores. “Com vergonha”, segundo palavras do coordenador-geral da feira, João Chiodini, a decisão teria ocorrido “para garantir a segurança dos convidados”. O argumento é falacioso.



Ora, segurança se garante com seguranças. O fato é que os organizadores se renderam a uma pressão autoritária. Sucumbiram à intolerância. Ajoelharam-se diante da escalada de uma patrulha insana que veta, em qualquer tempo e em qualquer circunstância, toda possibilidade de diálogo com quem pensa diferente. A divergência converteu-se em guerra, e guerras existem para destruir inimigos. Essa turma de patrulheiros só vê inimigos à frente no seu horizonte curto.



Lamento por Míriam e Abranches, cabeças brilhantes que ajudariam a iluminar a Feira naquela cidade catarinense, e lamento sobretudo pelo ar rarefeito presente na atmosfera brasileira.



Míriam, em especial, vem ajudando como poucas a mostrar os perigos da intolerância e do atraso das ideias no Brasil. Tem experiência de vida, vasta leitura e profunda capacidade de escrita para defender agendas relevantes de nossa pauta de direitos –incluindo questões de gênero, cor e aperfeiçoamento institucional. Na eleição presidencial de 2018, entortou a cabeça de muita gente ao mostrar que a esquerda não tinha o monopólio nem da defesa democrática nem das ideias progressistas em matéria de direitos sociais. Que ser liberal não se restringia ao pensamento econômico.



Infelizmente, porém, Míriam Leitão e Sérgio Abranches não foram os primeiros “desconvidados” no país em decorrência do que pensam, nem serão os últimos a enfrentar riscos à sua segurança. O novo episódio, no entanto, reforça o sintoma grave que espelha a enfermidade da democracia brasileira.



É algo maior e mais inquietante do que aquilo que se notabilizou como a polarização da política brasileira dos últimos anos. É mais grave e perverso porque ultrapassa a fronteira dos extremos –não se trata mais de pensar a oposição entre radicais livres à esquerda e à direita, ou uma polarização que pretendia opor pretensos representantes do bem contra o mal.



Não à toa os ataques vigentes atingem universalmente vozes da esquerda e da direita, nomes mais moderados ou mais combativos –o traço comum dos atacados, desconvidados, ameaçados e afins é o seu pensamento crítico. No poço escuro em que a democracia brasileira mergulhou, não há espaço para críticos. Viram inimigos que não são bem-vindos, como informa o abaixo-assinado dos 3 mil de Jaraguá do Sul.



Não dá para dissociar o ambiente criado por Jair Bolsonaro, seus filhos, Olavo de Carvalho & Cia. com o que aconteceu no interior de Santa Catarina, com a guerrilha virulenta que atingiu a mesa de Glenn Greenwald em Paraty, ou com o jogo sujo contra Tabata Amaral –nomes e episódios que se somam à infinidade de ameaças virtuais destinadas nas redes sociais a muitos políticos, cientistas políticos, juristas e personalidades públicas em geral, e ameaças reais em salas de aulas e campi universitários país afora.



O presidente, em especial, criou e é cria deste autoritarismo de linhagem bolsonarista. Antes de ser um gestor, um presidente da República é um farol que ilumina, direciona, conduz e modera os rumos –e o pensamento majoritário– de um país. A isso se chama liderança.



Neste momento, porém, temos um presidente que não só é adepto confesso da ditadura, como jamais assumiu efetivo compromisso com a democracia –nem quando congressista, nem quando candidato. Não só isso, como também namora, pessoalmente ou por emissários, com governos autoritários. Colhe exemplos em governos capazes de desmontar as instituições democráticas por dentro –não à toa um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro, fez há pouco tempo visita pródiga e elogiosa à Hungria de Viktor Orbán.



Bolsonaro liberou demônios antes envergonhados, libertou gente antes intimidada em expor sua face autoritária. Basta ver o que sua turma vem dizendo nas redes sociais: sua conversa é sobre fechar Congresso, expulsar ministros do STF e coisas do gênero.



Não se pode dizer que ele não avisou. Como Hungria, Polônia, Turquia e Venezuela, os novos autoritários como Bolsonaro desmontam as instituições da liberdade dos direitos pouco a pouco, entre linchamentos, fraudes, ofensas à reputação de seus críticos (e inclusive de aliados que ousam fugir um pouco do roteiro pré-estabelecido da virulência à moda olavista) –qualquer um que pretenda manter o presidente e seu governo dentro dos limites da normalidade institucional.



Porque normalidade institucional não é com Bolsonaro. Ele não sabe e nada tem a dizer num ambiente de um governo normal –isso lhe exigiria fazer articulação política ou compreender problemas reais muito além das pragas esquerdistas e de costumes que costuma atacar.



Antes o risco estivesse na singular retórica presidencial ou nas ameaças virtuais típicas da guerrilha de redes sociais. A marcha da insensatez é maior e mais grave: passa pelos impulsos transgressores de órgãos oficiais e intimidações reais, estas infelizmente não restritas ao universo de petições de radicais incomodados com visitas nada bem-vindas.



Credita-se a Victor Hugo a frase segundo a qual “nenhum poder terrestre pode deter uma ideia cuja hora tenha chegado”. A força sonora e retórica da frase espelha o triunfo de certas ideias sobre outras mesmo que não saibamos se isso ocorreu simplesmente porque sua hora chegou ou se houve um alinhamento das circunstâncias individuais e coletivas em prol de uma concepção frente à derrota de outras.



Ideia, pensamento ou prática, o bolsonarismo é a expressão vigente de um autoritarismo que brota no palácio, nas ruas, em feiras literárias e/ou grupos de WhatsApp. Resta saber que poder terrestre neste momento pode detê-lo. Mais ainda: nossa democracia, como ideia e como instituições, resistirá por quanto tempo a isso? 

 

 *Rodrigo de Almeida é jornalista e cientista político. Foi diretor de jornalismo do iG e secretário de Imprensa de Dilma. É autor de "À sombra do poder: bastidores da crise que derrubou Dilma Rousseff". 



Fonte:sintracimento.org.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dois + 13 =