Filiado à:

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

Dilemas do visto de trabalho sem vínculo de emprego no Brasil

OPINIÃO

Por  e 

Para efeito de regular a permanência dos trabalhadores estrangeiros no Brasil, a Lei 13.445/2017 e o Decreto 9.199/2017 definem a competência legal da Coordenação-Geral de Imigração Laboral para emitir autorizações de residências para fins laborais, nos termos das Resoluções Normativas editadas pelo Conselho Nacional de Imigração.

Para o imigrante estrangeiro laborar no Brasil é necessária a autorização de residência prévia para fins de visto temporário para o trabalho, nos termos da lei, autorização concedida pela Coordenação-Geral de Imigração Laboral ao imigrante que esteja no exterior e é exigida, salvo exceções (Mercosul)[1], pelas autoridades consulares brasileiras para efeito de concessão de visto temporário ao estrangeiro que deseje ingressar no Brasil a trabalho.

Nos termos da Lei 13.445/2017, a autorização de residência para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício no Brasil, desde que comprove oferta de trabalho formalizada por pessoa jurídica em atividade no país, observados os preceitos constantes do artigo 38 do Decreto 9.199/2017.

Para os casos sem vínculo de emprego no Brasil[2], objeto do estudo, dentre as possibilidade permitidas destaca-se por ser mais usual o visto temporário de prestação de serviço de assistência técnica ou transferência de tecnologia, com prazo máximo de 12 meses, prorrogável por igual período, desde que o imigrante tenha o pedido solicitado por uma empresa brasileira, que será por ele responsável durante sua permanência no país. É o exemplo da Resolução Normativa 04, de 1º de dezembro de 2017, o qual regulamenta as condições para o ingresso de estrangeiro sem vínculo de emprego no país, para efeito exclusivo de transferência de tecnologia, mantendo o imigrante o seu contrato de trabalho no país de origem e que isto decorra de contrato, acordo de cooperação ou convênio, firmado entre pessoa jurídica estrangeira e pessoa jurídica brasileira.

Para exercício regular de direito, o estrangeiro poderá trabalhar se, e somente se estiver em posse da identidade civil de estrangeiro, documento obrigatório a todo estrangeiro detentor de visto temporário ou de autorização de residência, condição necessária para garantia dos direitos de igualdade e a não discriminação, garantido a ele acesso igualitário a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social.

Uma vez deferida a permanência temporária do estrangeiro sem vínculo de emprego no Brasil, corolário da transferência contratual entre pessoa jurídica estrangeira e pessoa jurídica brasileira, a prestação de serviços poderá vir a ter impactos na esfera trabalhista, ainda que a contratação tenha ocorrido no exterior e a remuneração paga no país de origem, em moeda estrangeira. O contrato celebrado com estrangeiro para execução no Brasil, enquadra-se no conceito de contrato internacional, portanto se difere dos contratos firmados entre nacionais, já que oportuniza a incidência de legislações cuja fonte é Estado Soberano diverso.

Não é o caso do trabalhador expatriado ou àquele estrangeiro com contrato firmado no Brasil, inclusive o contrato por prazo determinado do Decreto 691-69, cujos direitos seriam recebidos em solo brasileiro; muito menos se assemelha aos estrangeiros vindo ao Brasil em situação irregular e à margem dos direitos mínimos fundamentais, fraude à lei ou a exemplo de contrato que decorra de forum shopping [3]. O caso é de trabalhador estrangeiro, com situação migratória regular e portador de visto para trabalho sem vínculo de emprego no País, ou seja, disto decorre a possibilidade de manutenção das condições contratuais pactuadas no exterior ainda que a execução do dito contrato ocorra em solo brasileiro, como vimos.

Em caso de controvérsia sobre a aplicação da lei no espaço, a regra da territorialidade ou local da execução do contrato não aparece ser suficiente para a solução de eventual litígio existente neste campo. A regra “lex loci executionis”, previsto no Código de Bustamante (artigo 198), e na antiga redação da Súmula 207 do TST (cancelada), foi superada pela pelo entendimento dominante do Tribunal Superior do Trabalho, com atual entendimento da aplicação da lei mais benéfica, pela teoria do conglobamento, orientação derivada do Leading case TST-E-RR 21900-93.2000.5.01.0019. Este entendimento sensível ao processo de globalização da economia e de avanço das empresas brasileiras para novos mercados no exterior, passou a perceber a insuficiência e inadequação do critério normativo inserido na antiga Súmula 207 do TST (lex loci executionis) – territorialidade[4], com isto o princípio foi flexibilizado em favor da norma mais favorável, consagrado no artigo 3º, inciso II da Lei 7.064/1982 (lei expatriado).

No caso, por ausência de vínculo de emprego no Brasil, a relação jurídica material atrai a aplicação do direito estrangeiro, inclusive em jurisdição nacional, sem colidir com norma de ordem pública. Aplica-se no caso a autonomia das partes que elegeram a rigor a legislação de origem quando da celebração do contrato de trabalho no exterior, e neste caso, aplicar-se-á os artigos 9º e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro.

Contudo, a despeito da inexistência de vínculo de emprego no Brasil, devidamente chancelado pela política imigratória, ainda assim, as políticas de proteção ao trabalho, nomeadamente saúde e segurança, aplicar-se-ão aos estrangeiros em igualdade de condição aos nacionais, sem prejuízo de outras vantagens decorrentes do contrato de trabalho pactuado no exterior. Como defende Estevão Mallet, a despeito da controvérsia sobre a aplicação da lei no espaço, ainda assim as normas de saúde e segurança do trabalho se impõe o respeito à lei local, por serem consideradas normas de ordem pública.[5]

É a garantia dos direitos fundamentais aos trabalhadores estrangeiros, e de sua eficácia horizontal entre particulares, ao menos no aspecto da proteção da saúde e segurança do trabalhador.


1 Para os trabalhadores e residentes no Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru), a livre circulação de trabalhadores é garantida, observado procedimentos previstos no Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL (2002), garantida a estada e proteção socio-laboral nos termos da Constituição (artigo 5º, X), e demais tratados internacionais, como a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul garante a não discriminação do trabalhador aos nacionais dos Estados Partes do mercado comum, nomeadamente o previsto no artigo 4º e 5º do Tratado (não discriminação e igualdade de oportunidades).

 2 Outras modalidades do visto temporário para trabalho sem vínculo empregatícios, nas seguintes atividades: I – prestação de serviço ou auxílio técnico ao Governo brasileiro; II – prestação de serviço em razão de acordo de cooperação internacional; III – prestação de serviço de assistência técnica ou transferência de tecnologia; IV – representação, no País, de instituição financeira ou assemelhada sediada no exterior; V – representação de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos; VI – recebimento de treinamento profissional junto a subsidiária, filial ou matriz brasileira; VII – atuação como marítimo; VIII – realização de estágio profissional ou intercâmbio profissional; IX – exercício de cargo, função ou atribuição que exija, em razão da legislação brasileira, a residência por prazo indeterminado; X – realização de atividade como correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira; ou XI – realização de auditoria ou consultoria com prazo de estada superior a noventa dias.

3 Empregador que escolhe a jurisdição internacional que lhe é mais favorável para aplicação do direito material em prejuízo ao trabalhador.

4 E há uma razão para este comportamento jurisprudencial, qual seja, o TST passou a prestigiar a Convenção Internacional nº 97, que é específica dos trabalhadores migrantes, bem como a Convenção Internacional nº 111, sobre o direito à igualdade de oportunidade e de tratamento, que veda a discriminação por ascendência nacional, ambas ratificadas pelo Brasil.

5 MALLET, Estevão – Conflitos de leis trabalhistas no espaço e globalização. São Paulo: LTR, 1998, 9. 333.

 

 é advogado atuante na área trabalhista e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas coordenando a Unidade de Belo Horizonte. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie e é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autonôma de Lisboa “Luis de Camões”.

Fernanda Maria Santana Mendes Figueiredo é advogada atuante na área trabalhista. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia.

Revista Consultor Jurídico

 

 

 
Fonte:sintracimento.org.br

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

17 − dez =