Bolsonaro “bateu no teto” e pode até perder votos evangélicos, diz especialista
Para Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico, o “discurso moralista” de Bolsonaro – “esse discurso do medo”, que tomou conta da campanha eleitoral – “já conquistou quem tinha de conquistar”
por André Cintra
Com templos em campanha desde março, é improvável que o presidente Jair Bolsonaro (PL) consiga ampliar suas intenções de votos no eleitorado evangélico. “Parece que ele bateu no teto”, afirma o cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico.
Na opinião de Valle, um dos maiores especialistas no tema, o “discurso moralista” de Bolsonaro – “esse discurso do medo”, que tomou conta da campanha eleitoral – “já conquistou quem tinha de conquistar”. Em entrevista ao Valor Econômico, o cientista político projeta que o presidente terá, no máximo, 65% dos votos evangélicos.
“Essa é a minha hipótese – a de que ele (Bolsonaro) já bateu no teto e que quem era suscetível a esse discurso já foi ganho por ele e, portanto, haveria pouca margem de manobra. Eu acho que mais do que 60%, 65% da votação entre evangélicos ele não alcança”, diz.
Ao estudar a relação do presidente com esse segmento mais religioso do eleitorado, Valle concluiu que a discussão moral e religiosa foi a forma como Bolsonaro ganhou parte dos eleitores de baixa renda, tradicionalmente mais próximos à esquerda. “É um governo mal avaliado em termos econômicos, sociais – e que consegue um diálogo com as famílias de baixa renda a partir do discurso moral para quebrar a hegemonia do discurso econômico.”
A seu ver, o ex-presidente Lula, embora lidere com folga as pesquisas junto ao eleitor que ganha até um ou dois salários mínimos, depende mais das pautas tradicionais da campanha. “Quando a agenda é social e econômica, favorece ao candidato de oposição, ao Lula. Quando a agenda é moral, por estarmos em um país conservador e pela relação de Bolsonaro com líderes religiosos, aí a vantagem é do atual presidente.”
Segundo Valle, o eleitor pobre não é necessariamente conservador. “Mas, nas regiões interioranas e nas periferias, há um tipo de cultura diferente dessa cultura cosmopolita das grandes cidades, mais aberta para um conjunto de ideais no campo progressista. Há uma penetração do discurso religioso nas periferias por vários meios”, afirma.
Nas regiões mais vulneráveis, a igreja se torna uma “uma rede de proteção” onde “circulam bens materiais e simbólicos, vagas de emprego, indicações, ajuda emocional. Tudo isso acaba fazendo com que as igrejas tenham um papel muito importante nesses lugares” e sejam “a principal rede de sociabilidade presente entre as classes populares”.
É como se as igrejas fossem praticamente a única referência mais concreta para esses segmentos da população. “Entre as classes médias, há várias redes – as redes das universidades, dos locais de trabalho. Mas nas periferias a gente tem a rede religiosa como a principal rede de apoio das pessoas”, afirma Valle.
Em contrapartida, a recente ofensiva de Bolsonaro junto aos católicos, com visitas a Aparecida e ao Círio de Nazaré, não deve surtir efeito eleitoral. “A adesão dos católicos a ele (Bolsonaro) tende a ser um pouco menor”, analisa, lembrando, que, no Brasil, prevalecem os chamados “católicos não praticantes”.
“Para eles, não é a visão religiosa que pauta, por exemplo, sua visão política. Os evangélicos são mais pautados pela identidade religiosa, que está mais suscetível à influência do pastor, ainda que não possa ser retratado um grupo homogêneo”, compara. “Os evangélicos são mobilizados enquanto identidade religiosa. O evangélico vai mais ao culto – ele é religiosamente mais engajado.”
Apesar dessas diferenças, o presidente tem pouca margem para ampliar seu eleitorado entre evangélicos e católicos mais conservadores. “A campanha eleitoral dentro das igrejas tem uma intensidade forte desde março. Os pastores estão fazendo campanha eleitoral desde março”, diz. “Isso alimenta uma questão: quem não foi convencido até agora pode ser convencido nesta reta final? Há margem para isso?”
Se Bolsonaro “bateu do teto” entre os evangélicos, fica mais clara a obsessão de sua campanha em avançar no eleitor católico. Mas Valle não descarta o risco de o presidente ser vítima do que ele chama de “efeito bumerangue” – ou seja, o eleitor mais religioso se cansar da exploração eleitoral da fé.
“Esse segmento religioso poderá passar a ter um sentimento de que a religião está sendo usada. Há um cansaço nas igrejas e isso vem sendo notado em diversas pesquisas”, diz o cientista político. “Hoje se percebe que tem uma parcela do eleitoral religioso que fala ‘eu estou indo pra igreja, mas não estou encontrando conforto espiritual, porque estão falando muito de política’”.
Assim, não se pode sequer descartar a possibilidade de Bolsonaro perder um pouco dos votos evangélicos que ele tanto buscou para chegar à Presidência da República. Pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira (10) o aponta com 63% de votos entre os eleitores evangélicos, contra 31% de Lula.
VERMELHO
Fonte:sintracimento.org.br