Escolhas sensíveis do presidente Lula: STF e PGR
O presidente da República tem o grande desafio de fazer duas escolhas sensíveis, que podem mexer com os ânimos dos brasileiros: a indicação do sucessor ou sucessora da ministra Rosa Weber, no Supremo Tribunal Federal, e a escolha da nova ou do novo procurador-geral da República. O primeiro em razão das recentes decisões do STF e o segundo por conta dos episódios provocados pela Operação Lava Jato.
No caso do Supremo Tribunal Federal, não resta dúvida de que as decisões recentes sobre o marco temporal e a descriminalização do aborto incendiaram as forças conservadoras da sociedade, que, sem qualquer fundamento, tem associado tais decisões ao governo federal, reacendendo uma disputa na sociedade que em nada contribui para a pacificação do país.
Frente a isso, o presidente Lula precisa ter muita cautela na escolha do sucessor ou sucessora da ministra Rosa Weber para não atiçar, ainda mais, essa disputa sobre valores e comportamentos na sociedade. O que de pior pode ocorrer neste momento, em que se busca a pacificação e a superação do ambiente de ódio, é associar a indicação para a Supremo Corte a esse tipo de disputa irracional, disparando os gatilhos de incivilidade nas relações entre as pessoas com visões distintas de mundo.
O mesmo raciocínio vale para a escolha da nova ou novo titular da Procuradoria-Geral da República, que não pode ser associado à Lava Jato, nem para o bem nem para o mal. A escolha deve recair sobre procuradores ou procuradores que cumpram, com equilíbrio e impessoalidade, o mandamento constitucional de atuar na proteção das liberdades civis e democráticas, e na efetividade dos direitos individuais e sociais indisponíveis, porém sem partidarismo ou qualquer outro tipo de alinhamento ou revanchismo, a não ser o compromisso inarredável com as práticas democráticas e com o Estado de Direito.
Assim, a prudência recomenda que a escolha recaia sobre nomes que não estejam tão expostos politicamente nem provoque os instintos primitivos dos derrotados na última eleição. É claro que não pode ser indicado alguém adversário do projeto político do governo, mas também não pode ser alguém a serviço do projeto governamental nem com a missão de fazer contraponto à oposição, sob pena ser vista como meio de instrumentalização desses cargos e, em lugar de pacificar o país, colocar ainda mais lenha na fogueira de insensatez que tomou conta de parte significativa da sociedade.
Parodiando o senador gaúcho Pinheiro Machado, as indicações não devem recair sobre pessoas tão engajadas politicamente que pareça provocação nem tão conservadoras ou alienadas politicamente que pareça medo das forças conservadoras.
O fato é que o momento requer equilíbrio, prudência e calibragem. E a forma de atender a esses pressupostos é escolher para cada um dos cargos alguém que preencha os requisitos de sólida formação jurídica e experiência como operador do Direito, além de trânsito e aceitação nas diversas forças da sociedade e dos poderes (Judiciário e Legislativo) e que não seja visto como revanchista, soberbo ou radical nas suas atividades e comportamentos públicos.
Em ambientes como estes, é prudente dar tempo ao tempo, deixando a temperatura esfriar para uma escolha depurada e em sintonia com a ideia de pacificação e reconstrução do país, que são os slogans do governo federal. O presidente Lula, como grande estadista que é, certamente terá sensibilidade suficiente para entender o momento político e escolher a hora e as pessoas certas para ocupar esses relevantes cargos da República.
Nesse particular, registre-se que foram muito felizes as palavras do presidente Lula no sentido de que o país precisa voltar à normalidade e que irá escolher para ocupar cada um desses postos, sem necessariamente se guiar pelos critérios de gênero e raça, uma pessoa que possa atender aos interesses e às expectativas do Brasil, uma pessoa que possa servir ao Brasil, e uma pessoal que tenha respeito pela sociedade e não se paute pela imprensa.
O presidente não terá dificuldade de encontrar pessoas com esse perfil. O fundamental é que os escolhidos não sejam associados a revanche ou ao aprofundamento da divisão que existe na sociedade. O indicado deve ter convicções democráticas, firmeza de propósito, trânsito entre os diversos setores da sociedade e nos poderes da República, e não ter outra motivação a não ser cumprir a missão constitucional do cargo com prudência, equilíbrio e independência, condições que certamente contribuirão para pacificar e reconstruir o país.
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AUTORIA
ANTÔNIO AUGUSTO DE QUEIROZ Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV). Ex-diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), idealizador e coordenador da publicação Cabeças do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis e Por dentro do governo – como funciona a máquina publica.