FGTS pode mudar, mas antes precisa ser entendido
É daquele caso típico que é ruim com ele e pior sem ele
O FGTS é motivo de amor e ódio entre os brasileiros. Para quem é trabalhador informal, ter o FGTS depositado mensalmente é um dos atrativos de uma vaga CLT.
Já para quem está empregado com carteira assinada no setor privado, embora o Fundo de Garantia traga certo conforto diante do risco de um possível desemprego, ver aquele dinheiro “preso” e rendendo menos do que o razoável também é motivo de angústia.
É daquele caso típico que é ruim com ele e pior sem ele.
Os raros leitores fiéis devem se recordar do que já escrevi neste espaço, mas não custa refrescar a memória da maioria e lembrar que o FGTS cumpre dois papéis distintos de política pública, com os quais cada um pode concordar ou não isoladamente. Ou seja, a rigor, eles não precisam nem existir e nem coexistir.
O primeiro papel é o de criar uma poupança forçada equivalente a cerca de um salário por ano de trabalho (8% do salário mensal x 12 meses).
Em um país em que 77% das famílias estão endividadas, é possível defender que seja importante que exista esse empurrão para formação de uma reserva financeira que, somada à multa de 40% paga em caso de demissão sem justa causa, dê conforto ao trabalhador num momento de desemprego. Mas também é questionável que essa população endividada não possa acessar plenamente um dinheiro que é seu para quitar as próprias dívidas. Ou mesmo que aqueles que possuem um colchão financeiro voluntário também sejam obrigados a guardar esse dinheiro adicional.
Feitas essas breves considerações sobre essa primeira política pública, esse dinheiro arrecadado pelo fundo poderia, EM TESE, ser livremente investido em títulos públicos de renda fixa, crédito privado, ações etc, até mesmo com alocação escolhida pelo indivíduo — mais conservador ou arrojado, por exemplo.
O retorno obtido com esses investimentos se refletiria plenamente então na conta do trabalhador cotista, de forma parecida com o que ocorre em qualquer fundo de investimento ou plano de previdência privada.
Mais uma vez, EM TESE, seria possível manter essa perna da política pública de poupança compulsória do FGTS e não haveria a discussão sobre o retorno mínimo que os trabalhadores deveriam ter com esse dinheiro, que hoje é limitado a 3% ao ano mais TR.
O baixo retorno do FGTS, cuja discussão foi parar no Judiciário, em vez de se dar entre Executivo e Legislativo (não é um caso isolado, como se sabe), tem a ver com a segunda política pública que o fundo atende.
Na prática, o que se faz nesta outra parte é uma transferência de renda da classe média e classe rica empregada como CLT para a população mais pobre dependente de políticas sociais.
Esse “repasse” se dá por dois caminhos. Um deles é o FGTS emprestar parte do dinheiro dos cotistas a taxas abaixo do mercado para programas de moradia. Quando abre-se mão do retorno que o fundo teria se tivesse aplicado 100% do dinheiro em títulos públicos como o Tesouro Selic, existe essa transferência de renda.
O segundo caminho é indireto. Até mesmo para ter liquidez para honrar os saques quando solicitados, parte relevante dos recursos do FGTS é aplicada em títulos do Tesouro. E como eles rendem mais do que TR mais 3% ao ano, o fundo todo ano tem lucro/superávit (mesmo com os empréstimos subsidiados).
Sempre que esse lucro não é distribuído aos cotistas (algo que só começou a ocorrer parcialmente a partir de 2016), o dinheiro retido engorda o patrimônio líquido. E essa gordura permite que o FGTS dê descontos em empréstimos repassados por outros agentes financeiros, que entram como despesa no seu balanço.
A criação da modalidade de saque-aniversário foi uma maneira de tentar limitar a primeira perna da política pública do FGTS, numa solução ruim que transfere ao trabalhador uma escolha que depende de chances e riscos que é difícil para a maioria deles calcular, e que, na prática, acaba sendo quase que irreversível.
Além disso, ela gera um custo financeiro desnecessário para o trabalhador que realmente precisa do dinheiro com urgência. Tentando explicar brevemente, para quem opta por essa modalidade de saque, a partir de um múltiplo de salários poupados, o dinheiro que sai via saque-aniversário praticamente se iguala às novas contribuições anuais. Seria menos custoso, então, permitir ao trabalhador que acumulasse X salários dentro do FGTS optar por receber o dinheiro diretamente na conta, mensalmente, em vez de sujeitá-lo a antecipar esse valor pagando juros aos bancos.
Agora volto à segunda política pública, tema que entrou na pauta após o voto do ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, que defendeu que a remuneração mínima do Fundo deveria ser igual à da poupança, de 6,17% mais TR ou 70% da Selic.
Por um lado, é defensável que os trabalhadores queiram receber uma remuneração maior pelo dinheiro investido compulsoriamente.
Por outro, apenas elevar o retorno dos cotistas (algo que pode vir a ocorrer por decisão do STF), sem olhar o resto, significa comprometer a capacidade de o FGTS manter seus programas.
As perguntas que Executivo e Legislativo precisam responder são: a sociedade quer manter esses programas hoje custeados “pelo FGTS” (na realidade, pelos cotistas)? Se sim, quem deve pagar a conta, apenas os cotistas do FGTS ou a sociedade toda (via orçamento da União)? Se for via orçamento, que despesa será cortada ou que receita será elevada?
Quem se habilita a responder?
Fonte:sintracimento.org.br