Filiado à:

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

Crime de assédio eleitoral no ambiente de trabalho

Opinião

 

 

Mais um período eleitoral se aproxima. Desta vez o pleito municipal para eleição de prefeitos e vereadores. E já é possível perceber o afloramento da polarização político-partidária, que vem se mostrando cada vez mais evidente nos últimos anos.

As discussões envolvendo questões políticas passam a ocorrer em todos os ambientes — sociais, familiares e até mesmo no local de trabalho —, não se concentrando apenas em comícios e na campanha eleitoral corpo a corpo. As redes sociais, por sua vez, assumem o papel de propagar informações em tempo real, de forma que é praticamente nula a possibilidade de se manter distante das notícias.

A promoção de debates acerca dos projetos e propostas dos candidatos aos cargos é salutar e consolida o Estado democrático de Direito previsto no artigo 1º, da CF/1988, sendo perfeitamente aceitável e necessária, ainda que sua veracidade possa ser prejudicada pela disseminação de fake news e discursos de ódio contra a oposição, desvirtuando o verdadeiro objetivo da campanha eleitoral e afugentando aqueles que preferem não se posicionar de forma ostensiva em relação a sua convicção política.

O problema ocorre quando a discussão deixa de ser saudável e toma rumos diversos revelando-se como uma violação ao direito à livre manifestação de ideias de um dos envolvidos. E se torna ainda mais grave quando esta situação se revela no ambiente de trabalho, em que o empregado é subordinado ao empregador. A disputa eleitoral — consagrada no princípio free and fair elections [1] — muitas vezes revela uma prática de natureza psicológica, reiterada e intencional no mundo do trabalho: o assédio eleitoral no ambiente de trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho, em recente julgamento[2] proferido pela 2ª Turma, firmou o entendimento de que “a figura do assédio eleitoral no ambiente de trabalho pode ser definida como o abuso de poder patronal, por meio de coação, intimidação, ameaça ou constrangimento, com o objetivo de influenciar ou mesmo impedir o voto dos trabalhadores”.

E, diante do reconhecimento da prática considerada assediadora, a empresa foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no montante de trezentos mil reais, a ser revertido ao FAT (Fundo de Apoito ao Trabalhador).

Ainda, nos termos do Acordo de Cooperação Técnica celebrado em 16/5/2023 entre o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério Público do Trabalho [3] , o assédio eleitoral é definido como:

“Qualquer ato que represente uma conduta abusiva por parte das empregadoras e dos empregadores que atente contra a dignidade do trabalhador, submetendo-o a constrangimentos e humilhações, com a finalidade de obter o engajamento objetivo da vítima em relação a determinadas práticas ou comportamentos de natureza política durante o pleito eleitoral, caracterizando ilegítima interferência nas orientações pessoais, políticas, filosóficas ou eleitorais das trabalhadoras e dos trabalhadores.”

Em síntese, o assédio eleitoral se configura quando alguém, normalmente em uma posição hierárquica superior, tenta forçar ou constranger outra pessoa a votar em determinado candidato (a) ou partido político, seja mediante promessas de alguma benesse como aumento salarial ou promoção na carreira, seja por meio de ameaças de demissão ou perseguição.

Normas específicas

É oportuno destacar que na legislação trabalhista não há normas específicas para reger tal conduta, de forma que é necessário amparar-se nos princípios constitucionais, no Código Eleitoral, e, no que couber, nas regras que tratam sobre o assédio moral no ambiente laboral, a fim de que se possa garantir os direitos da vítima assediada.

Parte-se da premissa inegociável de que a Constituição de 1988 garante o direito à liberdade de voto, de consciência e de orientação política, exercido democraticamente por meio do voto. O artigo 5º, especialmente em seus incisos II, VI, VIII e X, consolida este direito ao dispor que:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Portanto, é considerado ilegal qualquer tipo de coação para que o funcionário vote em quem o empregador quiser, assim como também são ilegais as ameaças e as promessas de benefícios. Quando se configura tal conduta ilícita, o empregador pode ser responsabilizado civil e criminalmente. Na esfera cível, com fundamento no artigo 186 e 927 do Código Civil, pode vir a ser condenado ao pagamento de indenização em dinheiro, enquanto na esfera criminal, a responsabilização é pessoal, na forma da Lei Eleitoral, sendo passível inclusive de reclusão.

Com efeito, o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), prevê como crime o assédio eleitoral, nos seguintes termos:

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:
Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Importante observar que também se constitui crime eleitoral veicular qualquer propaganda eleitoral em empresas, conforme dispõe a Resolução 23.610/19 do Superior Tribunal Eleitoral. Ou seja, um empregador que obrigue o funcionário a usar uma camisa de propaganda eleitoral também incorrerá no crime de assédio eleitoral.

Assédio moral

Na esfera trabalhista, o assédio eleitoral é tratado como uma espécie do gênero “assédio moral”. Conforme entendimento firmado pela 3ª Turma do TST, em decisão publicada em 10/6/2024 [4], o assédio eleitoral “representa violência moral e psíquica à integridade do sujeito trabalhador e ao livre exercício de sua cidadania”. “Pode ser intencional ou não, bem como pode ter ocorrido a partir de única ou reiterada conduta.”

A Corte Superior do Trabalho manteve a condenação imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), obrigando a empresa a pagar ao empregado o valor de R$ 8 mil.

No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), em decisão proferida pela 8ª Turma[5], foi reconhecida a prática de assédio eleitoral cometida pela empresa, sendo deferida indenização ao empregado no valor de quarenta mil reais. O julgamento levou em consideração a teoria do enfoque dos direitos humanas e a inobservância de direitos e garantias constitucionais, que deveriam ter sido resguardados.

Observa-se, diante deste cenário, que a figura do assédio eleitoral vem se tornando matéria recorrente, tanto nas discussões doutrinárias, como no âmbito da Justiça do Trabalho. O Ministério Público do Trabalho e o Tribunal Superior Eleitoral têm unido esforços na realização de campanhas de conscientização em relação às consequências da conduta empresarial, em especial nestes períodos que antecedem as eleições. O objetivo é identificar e punir empresas que adotam esta prática em relação aos seus empregados. E como se percebe, a Justiça do Trabalho vem sendo rigorosa na fixação da indenização.

Se forem identificadas atitudes como ameaçar os funcionários de demissão, obrigar o funcionário a dizer seu voto, coagir para que apoie o candidato do empregador, oferecer algum benefício para votar no em determinado candidato, proibir ou punir o funcionário de manifestar publicamente seu posicionamento político em suas redes sociais pessoais, usar o local de trabalho para falar sobre um único candidato ou partido, o empregador estará cometendo assédio eleitoral. E, uma vez evidenciada esta prática no ambiente de trabalho, a empresa pode ser condenada ao pagamento de indenização por dano moral, tanto de forma individual ao empregado lesado quanto de forma coletiva, além de ser responsabilizada por crime eleitoral.

Para evitar estas consequências, os empregadores devem respeitar a escolha política de cada trabalhador e não utilizar o ambiente de trabalho para influenciar votos. Promover um ambiente justo e livre de pressões políticas é essencial não apenas para evitar sanções legais, mas também para garantir um ambiente de trabalho saudável e produtivo e, acima de tudo, o respeito à democracia.


[1] Em tradução livre: eleições livres e justas.

[2] RRAg-10460-31.2016.5.15.0038, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 15/03/2024

[3] Disponível em https://mpt.mp.br/pgt/noticias/acordo_de_cooperacao_tecnica_2474512_act_13_2023___mpt.pdf. Acesso em 15 ago 2024.

[4] AAIR – 195.85.2020.5.12.0046, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 11.06.2024

[5] ROT- 0020207-29.2023.5.04.0373, 8ª Turma, Relator Desembargador, Marcelo Jose Ferlin D’Ambroso, DEJT 02.08.2024

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

seis + 14 =