Da revolução industrial à era da IA: Como a tecnologia molda trabalhos
Eduardo Koetz
A tecnologia tem transformado empregos há bastante tempo, mas quais são as semelhanças e diferenças no mercado de trabalho entre a era da IA e a revolução industrial?
A IA – inteligência artificial tem sido vista, por muitos, como uma ameaça crescente aos empregos de qualidade, um desafio sem precedentes no mercado de trabalho. No entanto, ao refletirmos sobre essa questão à luz das ideias de David Ricardo, um dos fundadores da economia moderna, podemos perceber que o impacto da tecnologia no trabalho não é, de fato, um fenômeno totalmente novo.
Durante a revolução industrial britânica, Ricardo já observava as variações econômicas e sociais que a automação de processos provocava. Ele destacou que, embora ferramentas possam substituir algumas responsabilidades, elas também criam oportunidades, ajustando a dinâmica entre oferta e demanda no mercado.
Para entender com mais clareza esse contexto, no início do século XIX, o economista testemunhou a mudança dos empregos com a introdução da maquinaria na indústria têxtil. A automação, inicialmente vista como uma forma de ampliar a produção e melhorar a eficiência, criou possibilidades para funcionários, como no caso da fiação de algodão.
Contudo, à medida que a tecnologia avançava, a mecanização de tecelagem substituiu os serviços que eram manuais e criou um cenário de dificuldades, com os empregados tendo de se adaptar a novas condições em fábricas, com jornadas mais longas, menos autonomia e salários mais baixos.
Essa transformação industrial nos ensina uma lição: as máquinas, seja no passado ou no presente, não são intrinsecamente boas ou ruins; depende de como elas são utilizadas. Assim como na época de Ricardo, hoje enfrentamos o risco de uma sistematização excessiva, com a IA substituindo tarefas humanas sem gerar, ao mesmo tempo, condições compensatórias em novas áreas.
Embora ele não tenha considerado os sistemas inteligentes em si, seus conceitos sobre a divisão do trabalho e os ajustes nas economias induzidos pelos novos equipamentos continuam extremamente pertinentes. Em sua época, a industrialização resultou em enormes alterações na estrutura das ocupações, com muitas funções sendo automatizadas e setores surgindo, o que, com o tempo, resultou na formação de atividades mais qualificadas.
Atualmente, líderes de tecnologia na esfera privada prometem que a IA poderá oferecer um futuro mais brilhante, com menos estresse no ambiente laboral, menos reuniões tediosas e mais tempo livre. Além disso, há a probabilidade de implementações como a renda básica universal, um conceito que visa garantir um mínimo de sustento a todos, permitindo que as pessoas busquem atividades mais criativas e satisfatórias.
Apesar do impacto da computação cognitiva ser complexo e envolver dificuldades, como a requalificação da força de trabalho, podemos tirar proveito das lições de Ricardo e dos avanços para construir um futuro em que a temos como uma aliada no desenvolvimento de oportunidades e não uma ameaça às profissões.
O dilema ético da automação
A IA generativa, uma das ciências mais avançadas da atualidade, possui uma enorme capacidade, já conquistando feitos impressionantes, especialmente na pesquisa científica. Ela pode ser aplicada ajudando os colaboradores a se tornarem mais informados, produtivos, independentes e versáteis. No entanto, apesar de seu potencial para o bem, parece que a indústria de tecnologia está priorizando um uso da computação cognitiva que pode, em muitos aspectos, ser prejudicial para os profissionais.
O princípio de “automatizar primeiro e perguntar depois”, que tem se tornado um mantra na sua implementação dentro de várias indústrias, coloca uma ênfase excessiva na coleta massiva de dados, muitas vezes sem considerar as consequências dessa coleta.
As empresas, motivadas pela necessidade de otimizar operações, recorrem à inovação para monitorar os funcionários, coletando informações sobre suas ações, comportamentos e até mesmo seus pensamentos e intenções, resultando em uma vigilância constante. Essa abordagem levanta sérias questões sobre a privacidade, pois ela permite que as empresas adquiram uma quantidade alta de informações sobre seus funcionários, muitas vezes sem o devido consentimento ou transparência.
Nesse sentido, a regulamentação da coleta de dados e do uso da inteligência artificial é necessária para proteger a confidencialidade dos indivíduos. O estabelecimento de regras mais rigorosas no ambiente laboral, com ênfase na clareza e permissão explícita, ajudaria a mitigar os efeitos negativos da vigilância tecnológica.
Regras de privacidade e diretrizes claras para o seu uso ético no espaço profissional poderiam evitar que ela seja usada para explorar os funcionários e assegurar que os dispositivos digitais, sejam empregados para melhorar a produtividade, sem comprometer o bem-estar.
David Ricardo, embora não tenha vivido para ver a repercussão dessa ferramenta, nos lembra de um ponto relevante: a importância de mudar a narrativa sobre a inovação. A IA, por si só, não é boa nem ruim; tudo depende de como a usamos. No passado, a industrialização teve um impacto sobre os colaboradores, muitas vezes de forma negativa.
A sistematização, que foi inicialmente vista como uma maneira de melhorar o rendimento e gerar empregos, também resultou em alterações nas condições laborais que afetaram milhões de pessoas de forma adversa. Da mesma forma, a computação cognitiva hoje pode trazer enormes benefícios, mas apenas se a usarmos de forma ética e responsável.
A verdadeira questão é como direcionamos o seu desenvolvimento e implementação. Se ela for projetada para promover o bem-estar dos empregados, aumentar sua autonomia e certificar um futuro mais justo, pode ser uma aliada incrível.
Porém, se for usada de maneira que favoreça a automação em detrimento da criação de postos ou que invada a intimidade dos indivíduos, pode se tornar um meio para exploração. Assim como no tempo de Ricardo, a responsabilidade sobre as escolhas tecnológicas deve ser tomada com uma visão de longo prazo, priorizando o bem-estar humano e instituindo novas possibilidades para todos.
Semelhanças e diferenças entre a revolução industrial e a era da IA
Durante a revolução industrial, a introdução de novas máquinas e tecnologias alterou notavelmente o rendimento e o trabalho. Assim como na era da inteligência artificial, houve uma enorme automação de processos que substituíram muitos serviços manuais, criando dinâmicas de emprego.
Naquela época, a mecanização dos teares, por exemplo, aumentou a produção de tecidos e, embora tenha gerado outras ocupações, também causou o deslocamento de muitos colaboradores que não conseguiam se ajustar às novas formas de atuação. Hoje, a computação cognitiva está fazendo algo similar, sistematizando tarefas repetitivas e burocráticas em áreas como serviços financeiros, saúde e até no direito, o que pode eliminar alguns empregos enquanto gera funções mais especializadas.
Outra semelhança é o efeito nas condições laborais e na organização social. Durante o período industrial, funcionários foram forçados a lidar com situações precárias nas fábricas. No cenário atual, com os sistemas inteligentes, eles enfrentam a possibilidade de uma vigilância constante e uma reestruturação das responsabilidades, que pode resultar em trabalho mais intensivo e monitorado, se não forem implementadas políticas adequadas.
No entanto, existem diferenças notáveis entre esses dois períodos. Enquanto a revolução industrial foi centrada na substituição do trabalho humano por máquinas, a IA vai além disso, sendo capaz de aprender, adaptar-se e até tomar decisões. Isso porque, ela tem o potencial de substituir não apenas o serviço físico, mas também cognitivo, como análise de dados, diagnósticos médicos e tomada de decisão em áreas como finanças, direito e até marketing. Além disso, a era industrial, apesar de seus custos sociais e trabalhistas, resultou em uma série de vantagens estruturais ao longo do tempo, como a formação de setores e cargos mais especializados.
Por outro lado, se mal administrada, pode aprofundar desigualdades, já que as oportunidades criadas pela tecnologia podem ser concentradas nas mãos de poucos, exacerbando a exclusão social e econômica. O impacto da inteligência artificial no ambiente profissional também é mais imediato, com mudanças rápidas e disruptivas, enquanto a revolução industrial foi um processo mais gradual.
Lições do passado para o futuro
A revolução industrial nos ensina que a inovação, embora importante para o progresso, deve ser acompanhada de políticas públicas que protejam os colaboradores e garantam a redistribuição dos benefícios dessa transformação.
O desenvolvimento de sindicatos e a regulamentação das condições de trabalho durante o século XIX foram fundamentais para melhorar a vida dos funcionários e minimizar as consequências negativas da industrialização. Hoje, a lição é clara: precisamos de medidas governamentais que asseguram que as vantagens da IA sejam distribuídas de forma mais equitativa, para evitar a concentração de poder e riqueza nas mãos de poucos. Propostas concretas para um futuro mais justo e equitativo:
Educação e requalificação profissional
Assim como as fábricas necessitaram de mão de obra qualificada durante a industrialização, a inteligência artificial exigirá novos tipos de habilidades. Investir em programas de requalificação e educação digital permitirá que os profissionais se adaptem às transições e ocupem funções criadas pelos avanços técnicos.
Renda básica universal
Uma política pública que pode ajudar a mitigar os efeitos negativos da automação é a renda básica universal. Ela garantiria uma rede de segurança para os trabalhadores cujos empregos forem substituídos pela ferramenta, proporcionando que busquem novas alternativas sem o risco imediato de exclusão social.
Regulamentação da IA e proteção da privacidade
Assim como a revolução industrial gerou a necessidade de normatização sobre as condições laborais, a era da IA exige que o uso das ferramentas sejam regulados para certificar a proteção dos dados pessoais e evitar abusos, como a vigilância excessiva e a exploração dos empregados.
Incentivo à inovação inclusiva
Medidas governamentais que incentivem o desenvolvimento de sistemas inteligentes voltadas para o bem-estar social, como ferramentas para melhorar a saúde pública, educação e serviços essenciais, podem garantir que os seus benefícios sejam mais amplamente distribuídos e não restritos aos grandes conglomerados tecnológicos.
Oportunidades jurídicas na era da IA
A evolução tecnológica, tanto na revolução industrial quanto na era da inteligência artificial, tem provocado transformações nas estruturas de trabalho e na sociedade. Essas modificações no setor legal têm expandido seu alcance e conduzido a um novo modelo de atuação.
Nesse sentido, softwares jurídicos projetados para integrar a automação e a digitalização no cotidiano dos advogados, estão moldando um novo paradigma de escritório híbrido, onde a tecnologia complementa a atuação humana, tornando-a mais ágil, precisa e acessível.
Uma das principais vantagens da digitalização e da sistematização de tarefas legais é a ampliação do acesso à justiça. Os softwares, por exemplo, possibilitam que os advogados atendam a um número maior de clientes, com um serviço mais rápido e eficiente, sem sacrificar a excelência.
Desse modo, isso reflete especialmente para aqueles que, de outra forma, não teriam acesso a serviços judiciais devido a barreiras físicas, custos ou falta de tempo. A digitalização viabiliza uma interação mais direta e eficaz entre advogados e clientes, trazendo mais agilidade ao processo e diminuindo as distâncias
Além disso, a automação de atividades repetitivas e burocráticas pode mudar a rotina dos advogados. A revisão de documentos, a análise de dados legislativos e a gestão de processos podem ser realizadas de maneira mais funcional pela IA, proporcionando que os profissionais atuem em atividades mais empáticas e complexas, por exemplo. Como resultado, é possível ter um aumento na produtividade e uma melhora na qualidade do trabalho.
A modernização também está desenvolvendo modelos de negócios legislativos, como as legaltechs, que oferecem soluções inovadoras para os desafios do mercado jurídico. Os softwares que demonstram os avanços podem gerar novos caminhos para a prestação de serviços advocatícios, promovendo modelos de negócios mais dinâmicos, escaláveis e acessíveis.
Esses novos modelos permitem que escritórios de todos os tamanhos se adaptem às necessidades do mercado, criando soluções personalizadas para diferentes perfis de clientes e oferecendo serviços de excelência a um custo mais acessível.
O que aprendemos com a história
O que podemos refletir diante disso é que já temos lições importantes com a história, pois a revolução industrial nos mostrou que, embora a inovação tecnológica seja parte do progresso, ela precisa ser acompanhada por diretrizes governamentais que certifiquem a redistribuição dos benefícios dessa transformação.
Naquela época, a normatização do trabalho, a formação de sindicatos e as melhorias nas condições laborais foram fundamentais para promover uma maior equidade social. Da mesma forma, hoje, a adoção da inteligência artificial precisa ser regulada, não apenas para proteger a privacidade e os dados, mas também para evitar abusos, como a vigilância excessiva e a exploração dos colaboradores.
Com uma abordagem cuidadosa e proativa, podemos garantir que a IA seja uma aliada na criação de cargos e na melhoria das condições de vida, em vez de se tornar uma ameaça para os profissionais.
O caminho para esse futuro depende das escolhas que fizermos agora, e a lição principal que podemos aprender com o passado é que as máquinas, por si mesmas, não são boas nem ruins – tudo depende de como as utilizamos e das políticas que adotamos para guiar seu impacto na sociedade.
Eduardo Koetz
Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.
MIGALHAS
Fonte:sintracimento.org.br