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Presidente não tem ‘foro íntimo’

Função pública não admite esconder-se nele

 

Clóvis Rossi
SÃO PAULO
 
 

Ao alegar uma questão de “foro íntimo” para demitir o ministro Gustavo Bebianno, Jair Bolsonaro dá uma demonstração definitiva de que não tem a menor qualificação para exercer função pública.

Foro íntimo não cabe no exercício de funções públicas, quaisquer que sejam e menos ainda na mais elevada, que é a Presidência da República.

Decisões nessa esfera só podem ser tomadas em função do interesse PÚBLICO, que, por definição, é oposto ao foro ÍNTIMO. Inacreditável que tenha que escrever uma coisa tão óbvia, mas no planeta dos Bolsonaros não vigora o sentido comum.

Foro íntimo o presidente poderia invocar para, por exemplo, não convidar Bebianno para almoçar no Palácio, ou por ter mau hálito ou o cabelo desalinhado ou pelo hábito de usar sapatos em vez de chinelos, o que contraria o sentido “íntimo” de elegância do presidente.

Mas, para convidar ou demitir alguém de algum ministério, o único critério que vale é o interesse público. Para demitir, é obrigatório dizer se o defenestrado é corrupto ou incompetente ou as duas coisas ao mesmo tempo e talvez acrescentar mais algum deslize.

Para piorar as coisas, se fosse possível, Bolsonaro constrangeu seu porta-voz, Otávio do Rêgo Barros, a usar em público a indecente explicação de “foro íntimo” para a saída de Bebianno. Um general deveria saber perfeitamente que interesse público prevalece, sempre, sobre qualquer questão de foro íntimo.

O general viu-se perdido, repetindo uma e outra vez a tal muleta do “foro íntimo", sem explicar as causas do afastamento, sem se referir ao imenso laranjal abrigado no PSL, o partido do presidente.

Ao esconder-se atrás do “foro íntimo", o presidente continua devendo explicações sobre as suspeitas de trambiques em que estão envolvidos seu filho Flávio, seu ministro do Turismo e seu ex-ministro Bebianno.

Falar abobrinhas em discurso gravado ou emitir tuítes é mais uma demonstração de que não tem noção do que é o exercício de uma função pública. Pode até atingir, atrás dessas barricadas, o seu público, mas convém prestar atenção ao fato de que os 57,7 milhões que votaram nele são menos do que os 89 milhões que ou votaram no adversário ou votaram em branco ou anularam o voto ou nem sequer compareceram às urnas.

O homem público deve satisfações a todos eles, que não querem saber de seu foro íntimo mas precisam saber que interesse público foi violado para Bebianno ser demitido.

 
Clóvis Rossi

Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

 

Folha de S.Paulo

 

Fonte: sintracimento.org.br

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