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Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos, Produtos de Cimento, Fibrocimento e Artefatos de Cimento Armado de Curitiba e Região

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Os impactos trabalhistas por conta das queimadas no Brasil

Prática Trabalhista

 

 

Nos últimos dias, infelizmente, o estado de São Paulo registrou uma quantidade de incêndios sem precedentes, que atingiu diversas cidades do interior paulista, tendo, inclusive, em razão da gravidade da situação, levado pessoas a óbito no exercício de suas atividades laborais. Aliás, em razão das queimadas, o governo estadual criou o gabinete de crise emergencial [1].

Dados estatísticos

De acordo com as informações da Defesa Civil, um dos principais focos de incêndio ocorreu em uma plantação de cana-de-açúcar no município de Sertãozinho, na região de Ribeiro Preto, de modo que as rodovias da região tiveram o trânsito interrompido por conta da forte fumaça. Além da destruição de mais de 20 mil hectares, 48 cidades já se encontram em alerta máximo [2].

Segundo as estimativas do governo paulista, a previsão é de que as perdas decorrentes das queimadas sejam estimadas em 1 bilhão de reais [3].

A propósito, dados levantados pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais) confirmam ser este o pior cenário de estiagem já enfrentado por mais da metade no país nos últimos 40 anos [4].

Causas do problema

Para o secretário nacional de Proteção e da Defesa Civil, 99,9% dos focos de incêndio no interior de São Paulo foram ocasionados por ação humana, tendo em vista que não houve raios e acidentes de torres de alta tensão que justificassem esses focos de queimadas [5].

Dito isso, não há dúvidas de que esse lamentável cenário vivenciado traz fortes impactos trabalhistas e, por conseguinte, alguns questionamentos: existe alguma responsabilidade ambiental a ser respeitada? É possível a adoção de medidas de prevenção de danos? E, mais, como proceder em casos de interdição de rodovias que podem gerar atrasos e faltas ao trabalho?

Por certo, em razão da sensibilidade do assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [6], razão pela qual agradecemos o contato.

Legislação

Spacca

Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado, a Constituição assegura em seu artigo 225 que presentes e futuras gerações têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever da sociedade civil e dos órgãos governamentais a sua preservação. [7] Lado outro, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 [8], dispõe acerca das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Já em âmbito internacional, a proteção ao meio ambiente é um dos objetivos centrais de desenvolvimento sustentável consoante a Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas), que é de importância indiscutível para a humanidade e para o próprio planeta [9].

 Responsabilidades

É certo que algumas atividades são tidas como de risco, a exemplo, segundo a jurisprudência trabalhista, do labor de corte de cana-de-açúcar. Vale dizer, ainda que não seja demonstrada a culpa da empresa, em razão da potencialidade lesiva do dano, poderá, em tese, existir responsabilização em caso de acidentes e infortúnios [10].

Por falar nisso, sabe-se que o trabalho nos canaviais exige o processo de queima, e, por isso, tal procedimento deve ser feito de forma responsável, sempre com o viés a prevenir a ocorrência de incêndios, notadamente para se evitar riscos às vidas dos trabalhadores que se encontrem no local.

Spacca

Mais a mais, pode ocorrer também de o trabalhador não conseguir chegar ao posto de trabalho em razão de interdições nas rodovias, ou até mesmo em razão das condições climáticas prejudiciais à sua saúde, como, por exemplo, o alto nível de fumaça tóxica no local. Nesse sentido, não obstante a ausência de previsão expressa na norma celetista, é preciso ter bom senso, equilíbrio, boa-fé e cooperação para se evitar conflitos, sendo válido lembrar também que existe uma responsabilidade social empresarial.

Lição de especialista

Para tanto, oportunos são os ensinamentos de Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Segadas Viana e Lima Teixeira a respeito da boa-fé contratual [11]:

“Mas o princípio da execução contratual de boa-fé, tem, principalmente, um sentido moral. Daí o dever de colaboração que dele decorre, como acentua Demogue. Tem se frisado o dever de colaboração do empregado. Mas esse dever, como diz Barassi, é bilateral. Cada contratante, escreve De Page, é obrigado, pelo fato mesmo do contrato, “a levar ao seu co-contratante toda a ajuda necessária para assegurar a execução de boa-fé do contrato. A solidariedade, estabelecida em vista da utilidade social, pelo veículo contratual, proíbe, cada uma das partes, de se manifestar pela outra. Ambas se devem, mútua e lealmente, fornecer todo o apoio necessário para conduzir o contrato a bom germo”. A diligência, obediência e fidelidade do empregado é preciso que corresponda a compreensão do empregador de que seu “colaborador” é uma criatura humana “dotada de cérebro e de coração”, que como tal deve ser tratado, e não como uma máquina.

Bom senso e equilíbrio

Ora, cabe destacar que a ausência no trabalho em decorrência de situações caóticas, como no caso de bloqueios nas rodovias por conta das queimadas, pode ser objeto de negociação coletiva ou até mesmo um acordo individual de compensação entre as partes, a fim de que não haja descontos e/ou penalidades aos empregados em razão do motivo de força maior.

Entrementes, o bom senso em situações delicadas, como as vivenciadas no interior paulista, também deve ser adotado pelo Poder Judiciário. Afinal, as queimadas provocaram a interdição de rodovias, o que, por certo, pode ter acarretado atrasos e/ou ausências para o comparecimento nas audiências.

A título exemplificativo, a Justiça do Trabalho já foi provocada a emitir juízo de valor num caso em que um acidente de trânsito acarretou a interdição das vias de acesso ao fórum trabalhista, de sorte que o posicionamento caminhou no sentido de ser motivo relevante e justificador apto a afastar a aplicação dos efeitos revelia a uma determinada empresa [12].

Conclusão

Portanto, verifica-se que a questão ambiental é fundamental para toda a coletividade, e, por isso, a obrigação de se implementar mecanismos de prevenção, assim como de se adotar boas práticas ambientais, sociais e de governança. Sob esta perspectiva, a execução de práticas sustentáveis é, sem dúvidas, de suma relevância para a redução dos impactos ambientais.

Em arremate, para além das metas e objetivos sustentáveis, é preciso a conscientização dos funcionários por meio de treinamentos, campanhas educativas, ações sustentáveis e outros meios de incentivo à incorporação de práticas de sustentabilidade no meio ambiente laboral, afinal, é dever de todos, incluindo os próprios trabalhadores, a preservação de seu equilíbrio.

______________________________

[1] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/onda-de-incendios-atinge-cidades-do-interior-de-sp-e-mata-dois-funcionarios-de-usina-nuvem-de-fumaca-chega-a-capital/. Acesso em 27.8.2024.

[2] Disponível em https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/08/25/48-cidades-do-interior-de-sao-paulo-estao-em-alerta-maximo-para-queimadas-duas-pessoas-morreram.ghtml. Acesso em 27.8.2024.

[3] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/nacional/sao-paulo-estima-perda-de-r-1-bilhao-com-queimadas-no-estado/. Acesso em 27.8.2024.

[4] Disponível em https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/08/26/mais-da-metade-dos-estados-no-pais-enfrentam-a-pior-periodo-de-seca-em-80-anos-diz-cemaden.ghtml. Acesso em 27.8.2024.

[5] Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/08/26/defesa-civil-diz-que-999percent-dos-incendios-no-interior-de-sp-foram-causados-por-acao-humana.ghtml. Acesso em 27.8.2024

[6] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[7] CF, Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

[8] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em 27.8.2024.

[9] Disponível em https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/. Acesso em 27.8.2024.

[10] E-ED-RR-132300-20.2006.5. 15.0115, SBDI-1, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 7/3/2014; ARR-247-79.2010.5.15.0036, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 08/04/2016.

[11] Instituições de direito do trabalho. Volume 1 – 22 ed. Atual. – São Paulo – LTr, 2005. Página 258.

[12] RR: 15275820135030022, Relator: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 20/02/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/02/2019.

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC – IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: “O Trabalho Além do Direito do Trabalho” do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

     

    CONJUR

    https://www.conjur.com.br/2024-ago-29/os-impactos-trabalhistas-por-conta-das-queimadas-no-brasil/

    Fonte:sintracimento.org.br

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